segunda-feira, 27 de julho de 2009

Mercado e empirismo

É curioso ver como um jornal que pode ter boa qualidade sob o ponto de vista económico é em geral tão inepto em todas as outras áreas, sobretudo as que carecem de alguma base cultural

Refiro-me obviamente ao “Economist”.

É apenas um exemplo e não o centro da questão. Mas mostra como uma mitologia apressada pode influenciar um povo de forma tão profunda. O que se vende sobre o povo britânico é que se trata de um povo realista e empirista, cultor do mercado. O inglês mediano (o que é mediano nunca é excitante) assim acredita, e de tanto vender essa imagem acaba por acreditar nela. Vê devolvida a imagem que projectou. Quando o actor e o público acreditam numa personagem, parece tudo correr bem, mas só é assim se de teatro se trata.

Que o povo inglês tenha uma longa tradição de realismo não há dúvida. No sentido medieval da polémica dos universais. Anselmo de Cantuária está-nos presente para nos lembrar disso, bem como John of Salisbury. O problema é que “realismo” nesta acepção, em linguagem algo mais moderna, diz-se... idealismo.

Um país que teve a grande escola platónica de Oxford, William Blake, Turner e todo o movimento romântico, seria amputado de boa parte do melhor da sua cultura sem o que hoje se chama também em acepção popular de... idealismo. Nem a ciência escapa a essa sina. Maxwell e Hamilton, sendo amputados à cultura britânica, seriam uma imensa perda para a mesma... e para nossa.

O problema é que a forma como a visão popular inglesa mostra o mercado padece dos mesmos vícios de uma auto-imagem distorcida. Quando o inglês mediano nos apresenta o mercado apresenta-o como mais uma forma do seu tão propalado realismo.

Mas há um elemento que traduz exactamente o contrário. Toda a apologia ingénua do mercado esquece um aspecto essencial: a irreversibilidade. Usando a velha metáfora da teoria da selecção natural, há espécies que morrem pelas forças “naturais” do mercado.

Há modos de vida que são irreversivelmente destruídos. Há apetências e competências que são irreversivelmente destruídas, há vidas que são irremediavelmente destruídas, paisagens trucidadas, ecossistemas eliminados. A crítica socialista do século XIX não era fruto de mera imaginação delirante. Podem-se contestar as suas soluções, pode-se contestar mesmo o conjunto do seu diagnóstico, mas os sintomas de que fala são verdadeiros e não podem ser negados.

Uma visão primária do mercado (popular, entenda-se) esquece-se das irreversibilidades que provoca. Não a tem em conta nos custos do modelo. E por isso afasta-o da realidade.

Precisamente por não a ter em conta no modelo, ignora a seta do tempo, um pouco como Prigogine entre tantos demonstrou que a mecânica clássica faria. Nesse sentido a mecânica clássica é irrealista, assim como uma visão ingénua do mercado.

Piaget dizia que o sinal da razão era a consciência da reversibilidade. É verdade. Da reversibilidade lógica. Se sei que A é igual a B, então tenho de deduzir que B é igual a A. Mas uma lógica intemporal não é a que se instala no tempo. Esperar a reversibilidade no tempo é pensamento mágico, umas vezes primitivo, outra simplesmente primário.

Nesse sentido, a forma como a visão popular veicula o mercado retira-o do tempo e esquece a irreversibilidade. Coloca-o na esfera do ideal, torna-o mágico e na melhor das hipóteses acaba em contemplação mística.

Por isso, quando a visão popular diz que o britânico mediano (não falo dos grandes, mas dos medianos) é realista e que a sua visão do mercado mostra a sua dimensão empirista, penso sempre que recusa experiência, não sendo empirista, que não assenta esse mercado no tempo, ignorando a sua irreversibilidade. E que mostra mais uma vez a força do pensamento idealista a entrar pela porta de serviço de quem se afirma a ele contrário. Fazendo do mercado centro religioso de contemplação mística.

Alexandre Brandão da Veiga

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domingo, 26 de julho de 2009

Quando perder eleições é uma boa notícia

A Guiné-Bissau escolhe hoje o seu quarto presidente efectivo desde a independência, e as notícias apontam Malam Bacai Sanhá, do PAIGC (na foto) como favorito.

Será a realização destas eleições um indício da democratização (finalmente) da Guiné? Infelizmente não. O verdadeiro teste do início da democratização será antes quando o presidente que hoje for eleito for substituído no poder. Se tal acontecer através de eleições, será um bom sinal: desde a independência, todas as mudanças na presidência guineense aconteceram através do recurso às armas. Desde o golpe contra Luís Cabral à morte de Nino, passando pelo golpe de Ansumane Mané (ele próprio assassinado posteriormente) e o golpe que depôs Kumba Ialá, o cano da espingarda constitui o principal mecanismo de alternância política.

O caso da Guiné ilustra bem uma velha lição: quando as armas entram na esfera política, torna-se muito difícil tirá-las. Mas esta história é mais antiga do que uma leitura superficial do texto anterior poderia supor. As armas não foram usadas para gerar mudanças políticas apenas em 1980 com o golpe de Nino – elas entraram na arena política quase duas décadas antes do golpe que depôs Luís Cabral. Se é verdade que a história não determina padrões, ela pesa e é uma variável relevante na explicação de trajectórias posteriores – como as diferentes experiências dos países africanos de língua oficial portuguesa aliás ilustram. Ignorar o papel da história dificilmente ajudará a alterar um padrão de golpes sucessivos que se repetem de forma cada vez mais acelerada. E, neste caso, esta história é também nossa.

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sexta-feira, 17 de julho de 2009

Mar de Alcântara

Durante muito tempo o Estado relacionava-se com os particulares com os seus próprios meios: os seus recursos e a sua mão-de-obra - os funcionários públicos.
Depois, e face à complexidade crescente das relações que estabelecia com os privados, muitos começaram a defender a necessidade de o Estado melhor se apetrechar para essas contendas.
Começava a ser patente que os privados defendiam bem os seus interesses, recorrendo a profissionais (advogados, engenheiros, gestores, arquitectos)bem pagos e motivados.
O Estado começou por isso a contratar esse tipo de serviços no exterior. Nomeadamente, começou a recorrer frequentemente a sociedades de advogados para dar assessoria especializada e negociar contratos de grande dimensão, uma vez que se entendia que teriam o know how que faltava ao Estado.
Hoje o Tribunal de Contas declara que o negócio dos contentores de Alcântara é ruinoso para o Estado, muito bom para o promotor privado.
O Tribunal de Contas fala em indícios de "prevaricação".

Perante estas notícias só uma de duas leituras é possivel:

Ou quem agiu em nome do Estado estava de boa fé e delegou nos advogados que negociaram a seu bel prazer, com os resultados ruinosos que agora se conhecem; ou estava de má fé e propositadamente lesou o interesse público, com a complacência dos juristas que intervieram na negociação e feitura do contrato.
Qualquer um destes comportamentos tem um nome e acarreta consequências políticas, civis, disciplinares e criminais.

Isto já não é um rio,é um mar de corrupção. Tão denso,que se por azar os contentores nele caíssem, eram capazes de flutuar.

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quinta-feira, 16 de julho de 2009

As mulheres de 60

Num país pobre como o nosso, a condição das mulheres tende a ser pior. São as mulheres as primeiras vítimas em tempos de desemprego, como estes que vivemos. Quando trabalham, a ocupação com as tarefas domésticas continua a ser muito desequilibrada, como há pouco tempo o Observatório público que estuda estas questões referia (com as mulheres a trabalharem em casa mais 10 horas semanais do que os homens ).
É assim genericamente, estatisticamente.

Parece-me que uma das gerações de mulheres portuguesas mais causticadas, e que se encontra em pior situação, é a das mulheres com cerca de sessenta anos.
Têm filhos e netos. A uns e a outros ajudam: com dinheiro, tempo, recursos e apoio na educação dos netos:levam-nos às escolas, ao médico, ficam com eles nos horários laborais compridos dos filhos. Sobretudo porque Portugal tem uma taxa elevada de população feminina trabalhadora.

Lidam com famílias desestruturados dos filhos que elas não ousaram ter no seu tempo.
Mas estas mulheres, que já têm duas gerações a suceder-lhes, têm hoje, e pela primeira vez na nossa história, os seus próprios pais vivos. Isto é, idosos com 80 ou 90 anos, a necessitarem também eles de cuidados.
Estes idosos, na maior parte dos casos, vivem com o agregado e frequentemente necessitam de vigilância permanente, ou estão mesmo acamados, permanecendo vivos graças à evolução da medicina.

Se há vinte anos, pessoas com 60 anos eram já considerados idosas, hoje são solicitados a esforços permanentes. Entaladas entre gerações, correm do infantário para o hospital.
São, as mais das vezes, o grande sustentáculo factual das famílias de hoje.
Fala-se pouco desta realidade. Devia-se falar mais.
Sobretudo, começar a estudar a adopção de políticas, nomeadamente em sede de segurança social,que reconheçam o papel fundamental por elas desempenhado no âmbito dos cuidados familiares.

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quarta-feira, 15 de julho de 2009

A Matemática é de todos!


A Matemática é como o Sol: quando nasce é para todos.

Todos? Não! Parece que há ministros e primeiro-ministros a quem 2+1=3 causa muitas dores de cabeça. Vejam isto até ao "Como é que é?" magistral da Ministra da Educação.

Houve um Ministro que, há mais de uma década, aventou a possibilidade de os problemas dos portugueses com a Matemática serem "genéticos". Sempre achei um disparate. Até hoje...

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Sol na eira e chuva no nabal


Gosto pessoalmente de Helena Roseta e trabalho com Santana Lopes há sete anos.
Dito isto - que diz muito - parece-me extraordinário o exercício político que hoje se desenhou nas listas do PS para as Autárquicas de Outubro de 2009. Helena Roseta tenta fazer o pleno, como resulta da linha de argumentação na entrevista que deu hoje à RTP-N:
  • Sou independente mas concorro dependente do voto no PS, do qual saí;
  • Tento ajudar o PS na vitória mais importante das Autárquicas de 2009 mas nada me une ao Eng. Sócrates;
  • Faço este acordo político porque a esquerda deve estar unida mas tal não foi importante em 2007 nem enquanto as sondagens não deram empate técnico entre António Costa e Santana Lopes;
  • Entro na «nova» equipa candidata à Câmara de Lisboa mas já lá estou a trabalhar há mais de um ano;
  • Advogo a urgência de se fazer alguma coisa por uma Lisboa desordenada, suja, caótica mas António Costa fez um bom trabalho nos últimos dois anos;
  • Sou idealista e comigo estão os que não se revêem nos partidos (entre os quais o PS) mas, a troco de dois lugares, um deles o número dois da Câmara, lá vou na mesma lista de todos os que são apurados pelos corredores viciados da partidocracia.
Helena Roseta lembrou, na RTP, que o Povo diz que «a união faz a força». O Povo também identifica quem quer «sol na eira e chuva no nabal». Quem vota em Helena Roseta será que votaria no PS de Sócrates?; ou no erro de «casting» que é ter António Costa à frente de uma Câmara?; ou no equívoco demagógico que representa José Sá Fernandes? Vão todos no mesmo pacote. Estão os três juntos na CML já neste mandato. Não há qualquer novidade no anúncio de hoje. É o seu trabalho que será votado em Outubro e não «novas primaveras» que se anunciam promissoras, na linha: «agora é que vai ser».
Procurei uma fotografia na net para ilustrar Helena Roseta. Quis o destino que a primeira que lá estava era esta, unida a Santana Lopes, ao PSD, a Cavaco Silva.
Sabemos que, na maioria das nossas vidas, «o passado é um País estrangeiro». Acontece a quem evolui. N'outras, o presente é também um País estrangeiro.

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terça-feira, 14 de julho de 2009

II. Sinto muito, Nuno Lobo Antunes

Os textos são arriscados. Expor sentimentos, e sobretudo os próprios e sobretudo sentimentos positivos, cada passo neste processo é um novo grau de risco. O piroso, o lamecha, o tartufo assaltam a cada passo este tipo de discurso. E nisso o livro lembra muito Santo António, não o português e paduano, mas o antigo, com as suas tentações. Passar por riscos destes sem cair em nenhum destes escolhos é obra de artista ou de santo. Ou de ambos. Deixo a quem leia a escolha.

Significativo o papel da dor e do sofrimento no seu livro. Os intelectuais de pequeno calibre gostam muito de criticar o dolorismo do cristianismo. Julgando que há opção ideológica no que apenas é imensa lucidez sobre o ser humano. No cristianismo, como no autor, não há apologia da dor pela dor. Apenas reconhecimento que ela mostra caminhos, e é constitutiva da vida. Na velha fórmula católica: “pela dor, no amor”. Situações extremas revelam sempre. É essa uma das suas funções. Quem recusa o seu papel apenas mostra não gostar da lucidez.

E como pano de fundo, a comunhão dos santos. Não há vivos ou mortos, apenas pessoas. E pessoas que não são átomos, mas que comungam entre si. A comunhão dos santos, e em boa verdade, a noção de igreja, tem uma leitura biológica, ou melhor, antecipa-a, permitiu a sua formação. Sendo mais que células, cada um dos componentes faz parte do mesmo corpo e nesse sentido a comunhão gera um organismo pluricelular. A experiência científica e humana do autor (como distingui-las?) fá-lo apresentar um mundo em que essa comunhão está permanentemente presente. Antigos doentes que se revisitam, doentes que já morreram, outros que o deixaram de ser, outros que se encontram, vivos e mortos, não mudam de estatuto na sua vivência. Estão todos igualmente presentes. É precisamente por o tempo não ser uma ilusão que consolida o presente.

Não o posso evitar. Tenho de fazer a comparação. Não pode haver mais oposto que eu e o Nuno.

Ele é dotado para as ciências da vida e eu sou uma desgraça nelas (para minha vergonha). Ele respeita a abstracção matemática, mas não lhe toca e eu tomo banho nela. Em suma, eu sou mais Pitágoras e ele mais Teofrasto.

Por outro lado o Nuno é das pessoas mais cristãs que conheço sob o ponto de vista de teodiceia. Dá-se o caso de eu nessa matéria ser pagão. A minha gnose é cristã e a dele fica-se aquém dela. Não por objecção intelectual, nem por incapacidade, mas por obstáculo. O Nuno carrega a sua teodiceia cristã para uma mundividência moderna. E com isso vê em todo lado os efeitos do amor, sente a sua presença, respira-o em cada acto, mas, pudor moderno por excelência, não o pode ver incarnado. Seja. Há coisas bem piores. Ele verá o Céu bem mais depressa que eu, para minha alegria e seu embaraço.

Eu gosto de ouvir os seus silêncios e ele tem a rara paciência de ouvir alguns dos meus. A coisa tem nome, mas não o escrevo. Seja como for estou bem pronto à crítica, por ter falado demais de mim naquilo que deveria ser uma análise de uma obra alheia. Vivo bem com isso. A boa da experiência convenceu-me que toda a crítica séria é autobiográfica.


Alexandre Brandão da Veiga

http://geracaode60.blogspot.com/2007/07/i-chamfort-maximes-et-penses-caractres.html
http://geracaode60.blogspot.com/2007/07/ii-chamfort-maximes-et-penses-caractres.html

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segunda-feira, 13 de julho de 2009

I. Sinto muito, Nuno Lobo Antunes



Não li este livro por dever de amizade. Mas tenho de denunciar publicamente que o momento em que o fiz decorreu de uma chantagem emocional indecente do autor. Ele pagará e com juros, como ele bem sabe.

Confesso que me agasta um pouco esta situação. A minha relação com as obras foi ou insuspeitada ou em desafio. Insuspeitada quando me apareceu Mozart, Wagner, Leibniz ou Homero na minha vida. Entraram sem eu perceber. Mas mais comummente em desafio: “ah, és tu o tal de Platão? Convence-me”. Sentir-me vergado por uma obra é dos maiores prazeres que pode haver, porque a justa foi dura e a vitória da contraparte merecida. Não há nenhuma humildade nisso. Só presta vassalagem o nobre.

O problema é que parto nesse caso com um pré-juízo favorável do autor. O que não é justo para mim como leitor. E me levou a fazer internamente alguns exercícios de desafio.

Não foi surpresa para mim o tom e o estilo, mas a destreza com que se instala nele. Em suma, coisa rara mas que me parece ainda importante para quem escreve, sabe escrever. Não é coisa pouca, porque apesar de tudo o texto é escrito e agradece-se que o seja bem.

A algumas coisas achei graça, por mostrarem até com ponto a vida dá voltas, entre as quais a referência a uma prima minha. Doutras gostei porque traduzem de uma forma lapidar questões que infelizmente me têm de preocupar no dia a dia.

Apenas um exemplo. Quando fala das coisas que o irritam em Portugal refere-se ao argumento para mim inepto de: “tem muita experiência”. E cita uma frase do seu pai que para mim esgota o tema: “Experiência? Um burro pode fazer andar uma nora a vida inteira. Mas nunca saberá o que é uma circunferência.”

Já citei umas trinta vezes a frase. Sempre que alguém me afirma que tem experiência apenas penso: coitadinho, nada mais tem para oferecer. Quando uma pessoa é inteligente, conhecedora, trabalhadora e honesta inventou-se um conceito que nos poupa trabalho a todos: chama-se de competente. Se se diz de alguém que é experiente apenas penso por isso: é burro, ou ignorante, ou calão ou desonesto, ou isso tudo ao mesmo tempo.

Outras podem ter graça ou não, mas são histórias vividas. Como sou um ignorante em neurociências (embora possa destrinçar o que é argumento cientifico do discurso ideológico que se constrói sobre ele) tinha esperança de aprender alguma coisa sobre neurociências. Não aprendi nada. Não é obra de divulgação científica. É obra de médico.

Sendo neto de médico sempre entendi que quem lida com a fragilidade humana tem o dever de a respeitar sem limites. Nada me provoca mais desprezo que o médico, advogado, juiz, seja quem for, que perante uma pessoa fragilizada dela abusa. Quem se pretende Maquiavel que destrua os fortes. Quem gosta de destruir fracos ou deles abusar é apenas medíocre.

E o Nuno é médico. Lembro-me dos sonhos de Jung com a figura do médico em que ele mostra o que significa profundamente ser um psicopompo, um condutor de almas. Cuidar, como diz o Nuno, ser provedor. Nesse aspecto invejo-o. Durante pouco tempo na minha vida pude ser provedor na minha profissão e bem sei o que compensa. A ficção e a poesia corteses diziam bem mais sobre o ser humano, revelam mais profundamente as suas necessidades e a sua capacidade de construir um mundo mais nobre do que o cinismo é capaz de conceber. Cínico por excelência foi Chamfort, e acabou a odiar os outros... e a sua própria pessoa. Na sua capa de sólido burguês citadino, que gosta de salientar, o autor tem mais de cavaleiro medieval do que a nossa época é capaz de ler. Talvez seja necessário um provinciano de família em curva descendente como eu para o perceber.

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segunda-feira, 6 de julho de 2009

O gesto não é tudo


Sabemos que o Governo responde à Assembleia da República; que deve estar quieto e calado no Parlamento; que não pode bater palmas e que só usa da palavra quando o Presidente assim autoriza. Lembro até que, enquanto espera para entrar no Plenário, o Executivo tem apenas uma salinha junto à escadas das traseiras, onde mal cabe se lá for por inteiro. Sabemos que o respeito institucional é devido e regulado por um Regimento rigoroso e concreto. Dito isto, não entendo a demissão do Ministro.
Estava lá a assistir à sessão quando se deu o incidente. Não com o rigor das imagens - que não vi em directo - mas com o enquadramento do episódio. Alguém falava enquanto o PCP zurzia no Ministro Manuel Pinho sobre a causa dos mineiros. As funcionárias do Parlamento - que ali se sentam à frente, de costas para o Governo, para tomar nota dos àpartes - não paravam de escrever. O Ministro bufava. Irritou-se e respondeu ao deputado Bernardino usando as mãos, segundo me pareceu, para simular a ideia de teimosia.
Não entendo a gravidade da situação. Todos os dias assisto a intervenções parlamentares verdadeiramente indecorosas, sem que nada aconteça. O tom é muito ordinário. Há considerações pessoais ofensivas em vez de argumentação política. E o objecto das insinuações é calunioso. Nada acontece.
Um Ministro que nunca foi Deputado e faz um gesto tauromáquico resulta num intérprete que tenta ser acessível à linguagem local. Manuel Pinho não podia, pelo Regimento, ter aquela liberdade de expressão. Mas, por exemplo, por via do mesmo Regimento, o deputado José Eduardo Martins já pôde dizer o que aqui não repito quando se dirigiu, há meses, ao Deputado Candal.
Já Pinho foi demitido na hora, por um PM em pânico com o que «parece mal», sem apelo.
Estamos cativos da forma, como os anjos que caiem quando chegam à cidade e perdem as maneiras da província. A possidoneira confunde-se com boas maneiras. A palavra «delicado» ou «indelicado» repete-se no léxico dos comentadores. Ficamos nisto, como se fossemos todos Paulas Bobones na busca de um estar social único, de uma aprovação exterior que nada tem a ver com a formação que nos é pedida.
Admito que o gesto não é bom. Seria péssimo se feito com uma só mão ou sob a forma de um palavrão. Não pertenço à imensa maioria dos sensíveis que José Sócrates anteviu. Os meus filtros são mais atentos a outro género de atitudes. Entretanto debate que trata de política e de posturas políticas - passa ao lado.

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sábado, 4 de julho de 2009

Fundações

Quando falamos de fundações, uma primeira distinção impõe-se. Distinguir entre fundações públicas e fundações privadas.
De acordo com a doutrina de Marcello Caetano e Feitas do Amaral, e de uma forma muito simplificada, podemos dizer que fundações públicas são constituídas por iniciativa do poder público, através de lei (com aprovação dos respectivos Estatutos), com os meios públicos, visando a prossecução de fins públicos.
As fundações privadas, ao invés, resultam da iniciativa privada, constituem-se mediante escritura pública (a regra, que admite excepções), que se destinam à prossecução de uma potencial variedade de fins: de solidariedade social, cultural, filantrópicos, educativos, ou outros.
Quanto às fundações de direito privado, as que agora nos interessam, e a traço grosso, podemos distinguir entre: fundações de utilidade pública administrativa, fundações de mera utilidade pública e fundações de solidariedade social.
Esta distinção não é irrelevante: a partir da precisa definição doutrinária do tipo de pessoa colectiva em causa resulta o regime jurídico aplicável em concreto.
As fundações de utilidade pública administrativa são aquelas que visam dar satisfação a necessidades públicas (humanitários, beneficentes, de assistência de um modo geral - o exemplo clássico é o das associações de bombeiros voluntários). Quase podemos dizer que estas pessoas colectivas privadas se substituem ao Estado na satisfação de necessidades colectivas. Assim sendo, o controlo deste sobre aquelas é potencialmente maior.
Desta sua natureza, e ao nível do regime jurídico aplicável, resultam imediatamente duas características: a aquisição imediata do estatuto de utilidade pública e o apertado controlo do Tribunal de Contas.
As fundações de mera utilidade pública, são uma categoria residual: cabem aqui as que não justificam a sua inserção nas outras categorias mencionadas.
Quanto ao regime, são dois os aspectos fundamentais: um ao nível da atribuição da utilidade pública - é analisada caso a caso, sendo da competência do governo, já não é declarada automaticamente; o outro quanto às consequências - uma pessoa colectiva a quem tenha sido atribuída a utilidade pública goza de um conjunto de benefícios de natureza essencialmente fiscal.
As Fundações de solidariedade social, como se depreende, justificam a sua existência pelo especial fim a que se destinam. Quanto ao regime que lhes é aplicável, no que se refere à utilidade pública ela é adquirida automaticamente por efeito do registo junto do ministério da tutela, gozando ainda do apoio do Estado e das Autarquias.
Dois traços resultam desta breve análise. Em primeiro lugar, estas pessoas colectivas estão sempre sujeitas a um acto público: o reconhecimento da sua existência pelo Estado. Em segundo lugar, que resulta do primeiro, estas pessoas colectivas só se tornam fundações porque prosseguem fins de interesse público, só este reconhecimento lhe garantirá a utilidade pública.
Assim reconhecida a fundação, e como um dos tipos mencionados, obedece ao regime jurídico legalmente previsto, sobretudo em sede de controlo. Controlo, a nível interno pelas diversas inspecções e controlo externo, por parte do Tribunal de Contas.
Não é fundação quem quer, mas quem pode. Sendo-o, porque o poder público nisso consente, obedecerá à lei que a rege. O princípio da fiscalização da legalidade da aplicação dos dinheiros públicos não fica à porta destas casas (pouco) privadas.

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quarta-feira, 1 de julho de 2009

As palavras e as imagens

Discutia hoje ao almoço o poder das palavras e pouco depois vejo este post do Fernando Penim Redondo. Faço o link sem mais palavras:
DOTeCOMe...o Blog: Uma imagem ou mil palavras ?#links

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