segunda-feira, 30 de junho de 2008

Burocracia mórbida



Uma amiga precisou de pedir uma certidão de óbito de um irmão para poder fazer uma escritura. A coisa atrasou-se mais do que o previsto e quando finalmente lhe marcaram a dita escritura o notário informou-a que teria de voltar a pedir a certidão de óbito porque ... tinha sido ultrapassado o prazo de validade de seis meses.
Quem é que disse que vivemos num Estado Laico? A burocracia caseira já deu existência legal à ressurreição.

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Agora “odeio” eu (um bocadinho atrasado)





Disse alguém um dia que podemos deixar voar os pássaros do ódio sobre a nossa cabeça mas que não os devemos deixar fazer ninhos.

Concordo.

Ainda assim, e tardiamente face ao timing da “discussão” aqui na Geração de 60, junto uma singela lista de pequenos “ódios” de estimação.

São apenas 4 para não me alongar. Duas pessoas e dois fenómenos. Vamos a eles.

Começo pela literatura: o Saramago.

O Pedro Norton tem apenas uma embirração pelo homem. Eu não tenho qualquer embirração; pura e simplesmente não gosto.

Não gosto do que representou no passado, não gosto de quem ele gosta, não gosto do que diz e muito menos da forma como fala e escreve sobre Portugal e os portugueses. Plagiando o mesmo Norton trocava de bom grado este Nobel pelas cinzas do Jacques Brel.

Quanto ao resto, pena é que o país do Torga, do Virgílio ou da Sophia tenha um Nobel como este.

E da literatura prá bola: o Figo.

Apesar de Sportinguista ferrenho prefiro mil vezes o Rui Costa. Todo o profissionalismo do Figue (como lhe chamava um ex presidente), inteligência nos negócios e causas humanitárias não me fazem esquecer que não voltou a Portugal e ao Sporting para acabar a carreira. Terá grandes qualidades que dele podem fazer um óptimo amigo ou uma excelente companhia mas, como adepto, nada disso me importa. A verdade é que preferiu as liras e as luzes da ribalta ao clube que o viu nascer.

Espero não o ver um dia com a bandeira do Sporting junto ao coração – aplaudido - e a concorrer à presidência do clube. Seria uma triste sina.

Quanto ao resto, e como o próprio saberá, nunca foi nenhum Zidane.

E da bola prá moda: os chinelos (ou havaianas).

Primeiro ponto: os chinelos são coisa de senhora ou de criança.
Segundo ponto: senhora que usa chinelos arranja os pés.
Terceiro ponto: as havaianas são para levar para a praia (não para o shopping, para o cinema ou para os restaurantes).
Quarto ponto: a massificação dos chinelos representa a “brasileirização” do nosso país – o maior flagelo da era moderna de que será expoente máximo o malfadado acordo ortográfico.

Quanto ao resto, convém não esquecer que o país irmão é a Espanha com quem crescemos na mesma casa (a nossa península). O Brasil será, nesta analogia familiar, o país filho: um filho maior, mais rico, mais tudo, mas um filho ainda assim (e onde é que já se viu um pai ter de acordar com um filho sobre a forma como se fala?).

E da moda prós fenómenos sociais: a neve.

De entre um determinado tipo de fenómenos sociais onde todos “temos que ir” (o Rock in Rio é outro) – e de onde, por isso mesmo, se deve fugir a sete pés - tenho um particular horror pela neve.

“Este ano ainda não fui”, dizem em tom de sofrimento (uma espécie de cold turkey social) pessoas que há tempos atrás nunca tinham sequer subido a serra da Estrela. Não têm a noção de que não há “penado” nem óculos espelhados, nem bronzeado de última hora que lhes tire o ar desadequado que não podem deixar de ter a mais de mil metros de altitude. Quem, no registo inverso, não reparou ainda, por exemplo, nos cidadãos dos povos da Europa central e de leste que pululam as nossas praias? O tom da pele, a forma como chapinham à beira mar, as “sungas” - não encaixam… não há nada fazer.

Quanto ao resto, e para além do clube dos fumadores passivos (anunciado há meses atrás), declaro desde já ir constituir, também, o clube dos portugueses que nunca foram à neve (seremos poucos mas bons).

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domingo, 29 de junho de 2008

Francisco Suárez e a democracia directa...


Já há algum tempo que ando para aqui transcrever um pequeno texto do De legibus ac Deo legislatore de Francisco Suárez (Coimbra, 1612), com o qual possa, por um lado, solidarizar-me com a guerra do Pedro Norton contra o mito das democracias directas (como pode ver-se, por exemplo, aqui e aqui) e, por outro, lembrar que a construção das modernas democracias, melhor e antes do que em França, em Inglaterra ou na América, começou aqui, na nossa Península Ibérica.
No livro terceiro deste seu tratado, depois de ter estabelecido que a democracia é o único regime que se dá por direito natural (ainda que melhor e mais claramente o faça, um ano depois, na sua Defensio fidei catholicae adversus anglicanae sectae errores..., nomeadamente no livro III, cap. 1 e 2), diz Suárez:
«Deve entender-se, portanto, que, de acordo com a natureza das coisas, os homens, individualmente considerados, têm parcialmente, por assim dizer, a faculdade de constituir ou estabelecer uma comunidade perfeita (isto é, política); mas do próprio facto de a constituirem resulta em toda ela este poder (trata-se aqui do poder político, segundo o qual alguns homens têm autoridade sobre outros homens). No entanto, o direito natural não obriga nem a que o poder se exerça imediatamente pela totalidade dessa mesma comunidade, nem a que permaneça sempre nela (considerada deste modo, isto é, na sua totalidade). Por esta razão, porque do ponto de vista moral seria muitíssimo difícil exercê-lo desta maneira - com efeito, dar-se-ia uma confusão e morosidade infinitas se as leis se estabelecessem por meio do sufrágio de todos -, este poder é imediatamente determinado pelos homens nalgum dos preditos modos de governo (trata-se dos modos clássicos de governo estabelecidos desde Platão e Aristóteles: monarquia, aristocracia, democracia e decorrentes formas mistas), já que não podem imaginar-se quaisquer outros, como facilmente poderá ver quem o considerar.» (De legibus ac Deo legislatore, livro III, cap. 4, número 1)

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sábado, 28 de junho de 2008

Onde está a nossa manhã de quatro patas?


Passei esta semana alguns dias de férias – sem rede, nem computador, mas com saudades iguais às da Sofia Rocha. Um dia, a caminho da praia, como que acordando da meditação em que se embrenhara ao percorrer a longa ponte de madeira que nos levava até à praia, uma das minhas filhas, que tem 6 anos, perguntou-me:
– Pai: como é que nos mexemos?
Espantado, sob um sol escaldante e debaixo de uns quantos sacos, tentava ensaiar o princípio de uma resposta, quando ela me explicou a sua pergunta:
– Como é que as nossas pernas se mexem e andam? E os braços e a cabeça?
Definitivamente: não estava à espera. Comecei a pensar como responder-lhe. Lembrei-me que Descartes tinha dito umas coisas sobre o assunto. Mas nenhuma resposta me parecia capaz de satisfazer a sua pergunta. Seja: distinguir a alma e o corpo pareceu-me uma boa maneira para começar. Fiz-lhe uma ou duas perguntas que a pudessem levar a dar-se conta desse ânimo primordial que nos atravessa o corpo. Respondeu-me qualquer coisa também sem importância e continuou a andar e a pensar.
Chegados à praia perguntou-me:
– Ó pai, mas porque é que nós existimos? Porque é que há vida?
Enfiei os dois pés na areia e comecei a calcular a melhor forma de adequar as minhas fracas respostas à sua inteligência de criança. Rindo, repetiu:
– Sim, pai, porque é que há vida?
E saiu a correr com os outros em direcção ao mar, no qual, feliz, já se aventura sem braçadeiras.
Lembrei-me então da grega esfinge, que, em Tebas, à entrada da cidade, colocava aos homens o seu terrível enigma: «o que é o homem?» E de como o monstro com cabeça de mulher e corpo de leão alado matava os homens, quando não lhe respondiam, e se matava, quando o faziam. Percebi, uma vez mais, que o destino do homem é viver caminhando entre a identidade e a diferença, entre a pergunta e a resposta, sem nunca ter – como mais tarde nos foi dito – onde reclinar a cabeça.
O difícil, porém, está em abraçar este destino com o encanto próprio das crianças: fazer como Penélope, que tecia o mundo de dia para o desfazer de noite, mas fazê-lo como uma criança, que depois de questionar, espantada, o seu misterioso estar no mundo, logo se entrega, rindo, ao alegre desafio das ondas.

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Escutar às portas

Às vezes temos tanta pena que certas conversas não sejam nossas. Como esta entre a Madalena Lello e o João Luis Ferreira, que escutei de ouvido encostado à porta.
Como não me atrevo a entrar nos grandes temas, vou parasitar vergonhosamente dois “sub-plots” referidos pelo João Luís.
Diz o João que “As obras incompreendidas hoje, serão descobertas amanhã”. Com boa vontade, João, talvez aconteça num ou dois casos. Temo que, maioritariamente, as obras incompreendidas hoje continuem a ser incompreendidas amanhã. Milhares, mesmo milhões de obras, incompreendidas hoje, serão irremediavelmente esquecidas amanhã e ainda mais depois de amanhã. Por mais eufórico que tente ser, acabo sempre submerso por este cepticismo cartesiano.
O JLF também afirma que “A seu modo, a fotografia reflecte uma interpretação da realidade”, só que eu ainda não me consegui libertar da ideia de autonomia da “obra artística”. Como é que eu vejo a fotografia, o cinema, a literatura? Sempre como alguma coisa que se acrescenta à realidade.
Os livros, os edifícios, as fotografias, os filmes, não interpretam, somam-se: onde havia um, passa a a haver dois. Uma fotografia (como a de Volkmar Wentzel, acima, roubada aos "Sais") do Parque Eduardo VII não altera a radical solidão, ou a preciosa funcionalidade do Parque. Feita a fotografia, o Parque continua remetido à sua irredutível opacidade, tal como a fotografia se passa a oferecer, sedutora, como uma realidade que dispensa, ingrata, o Parque original.

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A cidade ideal, o arquitecto, a fotografia e o peão

Madalena,

Decidi trazer para a G60 o nosso diálogo no saisdeprata-e-pixels. Post com post se paga!

A sua posição é a de ver a realidade através da fotografia e, por isso, o olho atrás da lente descodifica uma paixão do real retirado do seu movimento, fazendo do momento algo que permanece como substituição do real. Essa permanência que a fotografia é não é bem uma oposição ao tempo mas uma espécie de “instante” subtraído, algo retirado do movimento, um momento quase sem duração, mas que, enquanto registo, dá à posteridade uma imagem que se aproxima de alguma coisa que, alguma coisa, terá sido. O viajante, aquele que passa, vai registando na sua memória uma sinestesia que agrega num mesmo, num todo, imagens, sons, cheiros e toques (o vento, por exemplo) que na fotografia se procuram invocar apenas através da imagem. A própria sensação da tridimensionalidade do espaço se perde no registo fotográfico. Quantas vezes tiramos fotografias imbuídos de uma sensação que na realidade não se traduz depois na imagem conseguida. Mas esta sensação de ficar aquém do que se pretendeu realizar só a sente, ou só dela realmente se apercebe quem ensaiou esse risco da representação e vê a distância entre o que imaginou e o resultado. A arte, porém, está nos resultados e não na inépcia.

Da arte o que fica, então, independentemente dos desejos dos autores, é uma nova realidade, qual seja essa, que aos olhos e à crítica dos espectadores, se mostra sem aquilo que podia ter sido mas apenas com aquilo que é. Só que essa nova realidade, essa segunda natureza que aí está, adquire uma vida própria, induz novos caminhos que o próprio autor não pôde supor, mas que uma intuição e uma crença o levaram a insistir e a fazer. É disso que o mundo está feito, das tentativas do homem em criar e controlar uma realidade que o excede incessantemente e de que ele é um veículo às vezes consciente, outras vezes imprevisto, mas sempre comprometido. Para a história fica quase sempre aquilo que se diz daquilo que se fez. O poder discursivo nas obras é feito através daqueles que as explicitam quer as compreendam quer não as compreendam. As obras incompreendidas hoje, serão descobertas amanhã. Mas isso aos autores não deve, nem pode, interessar muito. O discurso à volta das obras é sempre o discurso de um ponto de vista, e todos os discursos sobre o que se apresenta têm uma legitimidade embora não coincidam com o ponto de vista de Sirius, aquele ponto de vista que por ser tão distante se tornasse num observador desinteressado, uma espécie de semi-deus cujo comprometimento com o mundo fosse quase nulo. Observador comprometido, o crítico, é como o fotografo, traduz em novos moldes a realidade que se lhe apresenta. E traduzindo-a, também a recria. Hegel afirmava que uma tradução era sempre melhor que um original, porque na tradução estava também o pensamento do tradutor. Mas para aceitar isto é preciso aceitar que o pensamento é movente e não um sistema fechado e estático de que cada um julga possuir uma parte singular e pessoal.

A seu modo a fotografia reflecte uma interpretação da realidade. A partir do modo próprio de registar uma encenação — espontânea ou fabricada — gera uma visão da realidade que não se deve pretender uma cópia porque o simples registo exige uma intencionalidade que a retira da pretensão inócua de ser apenas o que a própria realidade é. A fotografia é, por isso, tão subjectiva na realidade que cria, como a mente de um caminhante que passa pelo mundo ou pelo caos, registando na sua memória pontos de vista e outras sensações que lhe permitem reconstituir uma realidade que, uma vez ausente (depois de passar) é uma realidade imaginada. Apesar do aspecto físico ou mecânico do acto fotográfico, a realidade expressa ou traduzida ou recriada é sempre uma realidade imaginada.

O movimento do caminhante, do passageiro, do transeunte, é isso mesmo, movimento. E move-se entre espaços organizados ou caóticos, naturais ou artificiais, fáceis ou difíceis. Por definição, abusiva certamente, mas permitam-me o abuso, o mundo é a casa. E como o mundo é a organização sobre o caos, a casa opõe-se ao caos. A casa não é só o abrigo. Estar em casa pode ser estar numa cidade, pode ser estar num país, numa cultura, numa civilização, ou apenas num jardim (que saudades!). O espaço organizado é organizado em função de finalidades que realizem esta sensação de estar em casa, isto é, de estar num lugar onde há uma identidade entre o eu e o que está à minha volta. O mundo é um espelho do homem, é feito à sua imagem e semelhança e, por isso, quando o homem procura o que mais lhe convém procura o que é ideal para si. O que é ideal para si é alguma coisa que não estando imediatamente realizada transmite a sensação (pode ser uma imagem como diz a Madalena) ou a ideia dessa presença ideal. Não há fórmulas para criar a Beleza. Há dados objectivos como a importância da arquitectura durar e resistir (firmitas) e atingir alguma utilidade pela adequação às suas finalidades funcionais (utilitas), mas a Beleza (venustas) essa depende da inspiração e do talento que não nos é possível prever ou receitar. Ora, as duas primeiras categorias dependem do estudo, da inteligência e da dedicação, é como quem aprende a tocar um instrumento musical. Se depois com esses conhecimentos é possível compor uma melodia isso já não depende do esforço e da vontade. Depende talvez daquele excesso que referimos atrás como sendo o que trespassa a nossa capacidade de controlar a realidade e a povoa de novas e imprevisíveis direcções.

Ao contrário do fotógrafo, o arquitecto, não pode arquitectar a fotografia. O campo de actuação do arquitecto, se bem que resulte também, no seu processo de concepção, de uma linha crítica, não parte de uma representação do real, ou seja, não é uma tradução do real, mas parte de uma representação do ideal e, por isso, como dizia Óscar Wilde (Intentions) a Arquitectura, como a Música, são as únicas artes verdadeiramente abstractas. Ora, a abstracção é não só feita de formas que não se traduzem em evidências naturais mas na invisível constituição de tudo o que tem um organon. A abstracção é o que se extrai do concreto não sendo nenhum dos concretos lhes subjaz como sistema de relações matriciais. A esse sistema de relações se chama, na sua materialização gráfica e volumétrica, desenho. O desenho que se esconde é o sistema de relações que identificou as figuras e os corpos que pela sua notabilidade e correlatividade com os números abriram as portas do mundo inteligível, do mundo das harmonias que criaram a arquitectura e a música, mas que também se esconde na métrica da poesia, no equilíbrio da escultura ou na tensão da pintura. Enquanto arte a arquitectura não tem um mundo para traduzir tem um ideal para representar. Esse ideal não se realiza em formas orgânicas naturais mas sim em formas inteligíveis compostas de modo a realizar um equilíbrio e a exprimir relações entre si proporcionais. A ideia de proporção é talvez aquela que anda mais arredia do desenho contemporâneo, e a sua secundarização é o sinal que denuncia os propósitos exclusivamente funcionais e utilitários que muitos não gostamos de ver na arquitectura por serem um sinal da sua degradação. A ausência de proporção na composição torna o “objecto” arquitectónico indeterminado e essa indeterminação não é inteligível. A inteligibilidade está na proporção. O que não tem proporção não é pensável. Na música isso é ainda mais evidente, porque pela audição somos menos traídos do que pelas imagens.

A régua e o esquadro, se servem para organizar as figuras e os volumes de que os edifícios são compostos, não são como a câmara fotográfica uma máquina. Não limitam as possibilidades e opções, enquanto instrumentos, do desenho. Também já vimos que se a régua e o esquadro fossem limitadores do desenho dos edifícios ou do desenho das cidades seria porque aos arquitectos preocuparia não a representação do ideal, mas fazer vingar alguma tese que coisificasse o homem nalgum ismo que não resiste à passagem de dois lustres. Vimos, também, que a arquitectura é estática e não dinâmica, sofre mudanças com a luz, mas permanece imóvel por mais que os arquitectos tentem exprima-la como movimento. Vimos ainda que a arquitectura e o urbanismo são a casa do homem e o seu espelho pelo que não é lícito partir o espelho ou fazê-lo espelhar apenas um aspecto do que o homem é porque ele nunca é só um aspecto. Daí que a arquitectura espelhe uma totalidade e que cada um ao passar por ela possa reter isto ou aquilo sem nunca fazer dela isto ou aquilo. E, ao arquitecto, chamado a responder perante a cidade e perante a história, a sua resposta deverá ser o mais possível despojada de uma tendência crítica do real , o qual está presente nos problemas que lhe são postos pelo lugar, pela localização, pelo programa, pela construção, pela economia ou pela legislação e encontrar a proporção, o equilíbrio e a coerência que a vocação, a intuição e a razão de uma visão do ideal lhe permitir conceber. À arquitectura não podem ser exigidas as mesmas categorias da fotografia. A arquitectura e o urbanismo são presenças totais como ideia e como experiência. Noutras artes e na fotografia não predomina o estar mas um ponto de vista. Não pode o arquitecto, embora isso até seja, ingenuamente, o seu discurso actual, fazer a arquitectura a partir de uma ideia de promenade. A promenade é a liberdade de cada um de olhar o mundo e interpretar os seus caminhos a partir das suas experiências físicas e psicológicas. O arquitecto, quer queira quer não queira procede como um visionário que faz o mundo dos humanos e lhes constrói a base das suas memórias. Se não gostamos do mundo que criámos é outro problema e tem outras razões que não o da essência da arquitectura. O que não se pode pretender é que o arquitecto colija as infindáveis perspectivas pessoais para responder a todas elas e assim obter o que seria um consenso. Não se pode esperar isso da arquitectura. Sobretudo não esperemos que a arquitectura não seja um espelho do que é o mundo, um espelho dos homens. O que a faz uma arte tão inquietante é ser reflexo e materialização do somos e os nossos enganos e ilusões ficarem tão evidentemente expressos.

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Dois mundos














Suprema ironia: hoje, a CGTP organizou uma manifestação contra a política laboral do governo. Foi no Largo Camões, em Lisboa. A dois passos, no Palácio de Santa Catarina, filmavam-se cenas da "Vida Privada de Salazar".
Nem o cinéfilo Salazar deu pelos manifestantes, nem os manifestantes por Salazar. Mesmo que sejam paralelos "amigos do povo", há mundos que nunca se encontram.

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Praia sem areia


Praia sem areia. Chegar, pousar, esticar na espreguiçadeira, ir tomar banho de mar, água a 24.º, enxugar, ir almoçar na esplanada, ler, ler, ler. Olhar o Reid´s em frente, um dos hotéis mais bonitos do mundo. Penha de França Mar, a cinco minutos a pé do Funchal. E uma felicidade imensa de Abril a Outubro. Deve ser do calor, porque há dias que não consigo pensar noutra coisa.

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quinta-feira, 26 de junho de 2008

Se Me Olvidó Que Te Olvidé

É quase meia-noite e imagino que a velha e grande Rússia esteja a enforcar mágoas num lençol de vodka. Sugiro-lhes, aos súbditos de Putin e Abramovic, esta cansada ode ao esquecimento. Um bolero apócrifo com matizes de flamenco. Ou não fossemos, logo hoje, só hoje, todos espanhóis



Bebo Valdez e Diego Cigala, Se Me Olvidó Que Me Olvidé

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Da Visão: Mitos Democráticos

1 – Não vou perder tempo a tentar perceber o que é que os irlandeses «realmente» queriam dizer com o seu «não» ao tratado de Lisboa. Até prova em contrário, «não» quer dizer «não», ponto final parágrafo.
Dito isto, vale a pena fazer uma reflexão sobre o caminho que trouxe a Europa até este beco sem saída. Tenho para mim muito claro que um dos grandes mitos das nossas sociedades democráticas modernas é a ideia de que «mais democracia» e sobretudo «democracia mais directa» são sinónimos de «melhor democracia». Triste mito. Santa ignorância. Não é por acaso que os «founding fathers» americanos (que, goste-se ou não, são os pais fundadores de todas as modernas democracias liberais) rejeitaram explicitamente esta interpretação populista do ideal democrático. Muito melhor do que a maioria dos líderes europeus de hoje, sabiam – para citar uma expressão feliz de Bruce Ackerman e James Fishkin – que os referendos são um «método indigno para uma democracia moderna». Muito melhor do que os modernos arautos do «directismo» de pacotilha, sabiam entender a importância de casar o valor da igualdade política (em que se baseia a democracia) com as virtudes da reflexão, da ponderação, da deliberação, da negociação e da construção de consensos (em que se baseiam os regimes representativos) sem as quais não haverá nunca, como é penosamente óbvio, processo de construção europeia que resista.
Acontece que o «directismo» é um mito conveniente, alimentado pelo discurso politicamente correcto em voga e sobretudo pela tibieza de muitos dos nossos eleitos que, tendo toda a legitimidade democrática para decidir, se demitem de fazê-lo, e se escondem por detrás da farsa e da miragem referendárias. Acontece que é preciso coragem política para assumir que nas democracias representativas modernas o povo escolhe quem deve decidir e não tem necessariamente de participar no «problem solving» concreto. E como coragem política não é propriamente uma característica definidora da maioria dos líderes europeus de hoje, o mais provável é que os vejamos entretidos por mais uns tempos a tentar interpretar o que, «no fundo no fundo», queriam os irlandeses realmente dizer. E como ninguém se vai entender sobre o assunto, o mais certo é voltarem a perguntar-lhes até os pobres coitados acertarem na resposta conveniente.
2 – Outro mito tão persistente quanto pernicioso dos nossos tempos é a ideia que a democracia está suficientemente consolidada nos países ocidentais para que exista um real perigo do seu retrocesso. Em Portugal este mito é sofisticado com a ideia conveniente de que «a Europa não permitiria que o país regressasse aos tempos da outra senhora». Ora não há nada mais perigoso para a Democracia do que a ideia de que não é preciso zelar por ela todos os dias. E se é verdade que é difícil imaginar na Europa do século XXI, uma intentona militar liderada por um general de óculos escuros e bigode farfalhudo, já não será tão descabido discorrer sobre os perigos que o populismo e os excessos de «directismo» democrático podem representar para os regimes demo-liberais modernos. Não havia para aí um filósofo velhinho que falava da sucessão cíclica das formas de governo?

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quarta-feira, 25 de junho de 2008

Brincadeirinha ( Parte II)

"Crise não passou pelo Estoril Sol Residence (...) A maioria dos compradores são portugueses e o restante estrangeiros ou " portugueses a morar lá fora" (...)" - In Público 25-6.

É o metro quadrado mais caro do país.
Dando de barato que o Cristiano Ronaldo lá tenha comprado apartamento, mais o José Mourinho, pergunto: será que o Dr.Vale e Azevedo, lá de Londres, já terá dado a sua ordem de compra?

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O Sonho e o Tempo

Goya, Las Viejas - uma interpretação do tempo?
Talvez a vida não seja mais do que sonho, talvez a nossa pequena vida esteja cercada, apenas e só, por um redondo sono.
Prefiro pensar que, mais do que a matéria com que se constroem os sonhos, é o tempo a substância de que todos somos feitos. Um tempo irreversível e inexorável.
Podemos sonhar, pode o sono obscuro invadir-nos, o que não podemos é negar o tempo. Negá-lo é negarmo-nos.
Por vezes é lícito trocar Shakespeare por Borges.

We are such stuff
As dreams are made on; and our little life
Is rounded with a sleep.
Shakespeare, The Tempest

El tiempo es la sustancia de que estoy hecho.
El tiempo es un río que me arrebata, pero yo soy el río;
es un tigre que me destroza, pero yo soy el tigre,
es un fuego que me consume, pero yo soy el fuego
Borges, Otras Inquisiciones

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Brincadeirinha ( como se diz do outro lado do Atlântico)

"(...) Acresce que em termos de concorrência este Governo acumula mais cadastro do que currículo." - In Público de 25-6.

ERRO, MENTIRA, BRINCADEIRINHA. A Concorrência tinha muito currículo. O Prof. Abel Mateus tinha muito currículo. O que o Prof. Abel Mateus não tinha era de dizer no Verão de 2006 em entrevista a um semanário que o que se estava a passar era muito grave. I. é, que a Autoridade da Concorrência fazia o seu trabalho e depois todas as empresas em Portugal recorriam de todas as decisões da Autoridade para o Tribunal de Comércio de Lisboa, onde ficavam, SUSPENSAS, durante vários anos ( todas as decisões da AdC são recorríveis com efeitos suspensivos). Como vivemos num país livre e democrático, a crítica foi devidamente encaixada, ninguém ripostou nos jornais, pensei eu. Em 2008, O Prof. Abel Mateus não foi reconduzido no cargo. Primeiro pensei "brincadeirinha", mas depois pensei melhor. Afinal de contas, quem o nomeia tem direito de mudar de opinião justamente porque vivemos num país livre e democrático não é assim?

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Tributo aos leitores de jornais

Henri Cartier-Bresson, Livorno, 1933

A minha leitura dos jornais passa obrigatoriamente pelas «cartas dos leitores». Gosto do vislumbre de esperança permitido pela certeza de que, do lado de cá, a ler o que eu leio, está gente atenta, gente válida, gente crítica.
Vem isto a propósito de uma «carta ao Director», hoje divulgada no Público, que muito me impressionou.
Trata-se de um testemunho sentido e profundo, bem pensado e bem escrito, que tem por título “A apologia do desmérito”. Assina Francisco Queirós, aluno da Escola Secundária Garcia de Orta (Porto).
Eu não fiquei indiferente e julgo que ninguém poderá ficar. Por isso, e sem mais comentários, transcrevo na íntegra.

A apologia do desmérito
Dissera a Sociedade Portuguesa de Matemática, a propósito do exame nacional do ensino básico, que o facilitismo é desmotivador. Achei o juízo mais uma ideia vaga no longo e eterno debate sobre as questões ligadas ao ensino e à educação que atravessa a sociedade.
Compreendi, porém, a essência da afirmação ao realizar o exame nacional de Matemática A (12.º ano). Uma desilusão. Um tempo desproporcionado para a extensão da prova, perguntas que não iam além do linear… Trigonometria? Nem vê-la!
Um ano inteiro de estudo regular e empenhado, duas semanas de intensa preparação, a vontade de ver o mérito objectiva e rigorosamente reconhecido a nível nacional. Tudo decepcionado por um exame que ilustra a filosofia por que enveredou o sistema de educação. O facilitismo. A cultura da mediocridade. A ávida apologia do sucesso estatístico (obviamente ludibriado).
Haverá beneficiários contemplados nesta cultura? Pois com certeza! O esforço nulo, a preparação ligeira e o alheamento geral não impedem resultados lisonjeiros. Pretensamente lisonjeiros, diga-se com destemor.
Ver no mesmo patamar uma incrível concentração de alunos com diferentes graus de conhecimentos, de dedicação e de esforço pode ser politicamente correcto – numa linha de pensamento que veja, desta forma lamentável, a educação como a promoção da integração social. Pode inclusive ser democrático – num sentido impróprio da palavra democracia. É, contudo, decepcionantemente desmotivador.
É triste terminar a disciplina de Matemática A e concluir que nenhuma função relaciona mérito e bons resultados.

(vd. Público, 25 de Junho de 2008, p. 40)

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terça-feira, 24 de junho de 2008

Como vêem os chineses o referendo irlandês?

Não vejo com alegria o resultado do referendo irlandês. Vejo-o com realismo. Todos se penduram sobre o seu resultado, mas a dinâmica dos votos hoje em dia é tão múltipla que cabe num mesmo resultado toda a premissa e a sua contrária. Da extrema-direita à extrema-esquerda, dos europeístas aos anti-europeístas, dos preocupados com o curto ao longo prazo, errados ou não, muitos apoiam a negativa que aflige (e alegra) a Europa.

Seja. As causas são múltiplas e não as vou analisar aqui. A classe política diz muitas vezes que é preciso aproximar a Europa dos europeus, que é preciso explicar, no que têm alguma razão, mas esquecem que é do excesso de proximidade das classes políticas que nasce muito do desprezo da população por ela. “Eles são como a gente” dizia o povo no Norte de Portugal. O problema, diz-se, muitas vezes tem a ver com questões meramente nacionais. Mas esta perspectiva esquece que por isso mesmo o problema é europeu. É europeu nos seus resultados, sem dúvida. Mas é europeu igualmente na sua tessitura. Mostra um problema geral nas democracias europeias, mostra alguma falta de maturidade da populações europeias para perceberem que o mundo mudou efectivamente, e que o tempo urge. Que as novas e antigas potências agradecem quando a Europa pára, embora nas novas os sentimentos sejam mais variados. A Índia, o Brasil e sobretudo a Rússia sabem que têm interesse numa Europa forte.

O que interessa agora é tentar perceber como nos vêem os chineses.

A opinião de chineses vale o que vale, mas seja como for é uma opinião. Que vêem eles? A sua perspectiva é a da construção de poder. A liberalização de mercado é vista, de uma forma próxima dos alemães do II Reich, como um instrumento de poder. Não têm os nossos pruridos de base cristã em relação ao poder.

Que é a democracia para eles depois deste resultado irlandês? Num mundo em que as oportunidades chinesas crescem, não querem perder tempo. Para eles por isso mesmo este resultado tem um significado: a democracia é uma perda de tempo. Os europeus são em suma desprezíveis porque são incapazes de criar formas de poder consistentes.

Não interessa se têm razão ou não. Apenas tento ver as coisas com olhos de chinês. Mas para quem dá alguma importância a ser respeitado substantivamente pelo mundo, temos de perceber que o que se passou na Irlanda, inteligente ou não da parte dos irlandeses, é visto pelo óculo chinês como um episódio que mostra que os europeus são ridículos. Não são as liberdades que os comovem, e muito menos a democracia. Percebem que este sistema é pouco útil para a criação de poder e só por isso já o acham tonto.

A vida é assim. A crítica da rua acredita no fruto e nos resultados, muito mais que nas raízes, que não vê. O chinês é povo de visão sempre algo menos elaborada que a nossa. Olha para o europeu e pensa: Tontinho, não sabendo reconstruir o seu poder, não o merece.

Esperemos então a teia chinesa, que Napoleão e o nosso Eça já tinham previsto. Só não fica nela quem criar tenaz que lhe saiba opor. Temos direito de escolher favas no menu. Agora é altura de as comer.








Alexandre Brandão da Veiga

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segunda-feira, 23 de junho de 2008

As Medalhas de Madre Teresa

O actor Martin Sheen (Apocalypse Now) é tão fervoroso católico como fervoroso anti-Bush. Durante a Guerra do Golfo, veio com a família e um amigo, a Roma, falar com a Madre Teresa. Pediu-lhe para convencer o Papa a levar o assunto a um tribunal internacional que ordenasse aos beligerantes que parassem a guerra. A irmã perguntou-lhe com candura: “E eles obedecem?”
Recebido o recado, a pequenina Teresa abençoou a mulher e os quatro filhos de Sheen e deu-lhes medalhas de santos. Martin Sheen lembrou-se então de que o seu velho amigo Marlon Brando vivia, na altura, um momento angustiante. E pediu a Madre Teresa que lhe desse mais uma medalha para esse amigo que era um actor famoso. “Quem é”, perguntou ela, curiosa. “Marlon Brando”, disse ele. “Ah. Nunca ouvi falar.”
Sheen regressou e, quando deu a medalhinha a Brando, contou-lhe a história. Diz Sheen: “Confesso que Marlon ficou lavado em lágrimas. It meant so much to him.

A história, contada por Sheen, está aqui na “Intelligent Life”, Spring 2008.

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Votos Apartidários II

Como estou em período sabático de leitura de jornais, de televisões e de blogs - a desculpa é o Euro 2008 e agora torço pela Rússia - fiquei totalmente surpreendido quando o nosso amigo e co-blogger MM me deu a informação de que a Sofia é Vice-Presidente do PSD. Aliás, fiquei foi agradavelmente surpreendido. Parabéns Sofia e bom trabalho. Também estou a ficar apartidário, como o MSF, mas sei que há algo nestas andanças que não podemos dispensar: uma oposição forte e inteligente e quanto a isso espero o melhor deste novo PSD (embora as declarações sobre o investimento público da nova Presidente mostem que ela ainda não está a ver bem a coisa... Mas verá um dia, verá um dia...).

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domingo, 22 de junho de 2008

Votos Apartidários

O editorial do “Geração de 60” propõe, à maneira de Stuart Mill, um “marketplace of ideas” cuja construção é “um direito, mas sobretudo uma responsabilidade de cada um de nós – que não pode ser inteiramente delegada em partidos, nem em corporações, nem no chamado sistema mediático”.
Está implícito - fica rotundamente claro – que esse “fórum de ideias” não pode ser construído contra as corporações, o sistema mediático e, muito menos, contra os partidos.
A Sofia Galvão e o Paulo Rangel estão agora, mais visivelmente, um passo à frente do editorial do “Geração de 60”. Não professo em nenhum partido e às vezes finjo que sou apolítico, o que não me impede de fazer votos de que o compromisso dos dois ajude a dar resposta a estes versos de Thomas Hardy:

“When shall the softer, saner politics,
Whereof we dream, have play in each proud land?”

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Clarabela: uma carta de amor

Minha querida:

Confundir o teu nome é trocar o dia pela noite, sonhos por pesadelos, sorrisos por lágrimas, laços por espinhos, pele por granito, poemas por gritos, rosas por heras, pradarias de relva apetitosa pelo alcatrão das ruas. Não há no teu rosto uma marca de tristeza, desconsolo, ressentimento, só um bovino encanto de vida.

Preso nos olhos do amor que te escapa, das lembranças das nuvens leves, das cores suaves na infância que é só tua, nas tardes encostadas ao parapeito da janela, dos banhos com aroma a gargalhadas futuras, das saias rodadas, da alfazema nas gavetas altas, dos terraços perdidos no último arranha-céu da inocência, tu és o meu primeiro e último amor.
A infâmia e a vergonha são hoje maiores: a Anabela é o espinho, a corda no pescoço, o suspiro antes do longo vale dos monstros sempre acordados. Não pisei devagar, e pisei nos teus sonhos. Emigro o rosto para a mais distante das terras, fecho a casa, prego todas as portadas, deito fogo à madeira que nos agarrava à Terra, sinto a chama quente nas costas que vergo para nunca mais erguer, só na cegueira.
Perdi-te, perdi-me, perdi o mundo. Não há mais nada, só relógios quebrados, jornais rasgados, pássaros mudos, e o silêncio.
Onde está o teu riso? Em que armário, em que prateleira, em que biblioteca de amores perdidos?
O fim é claro, Clarabela. Não se muda o que não se pode trocar. É como trocar de alma, mesmo cansada, e essa não é minha.
É tua.

PS: A minha mulher, fiel confidente da pobre esquecida, não fala comigo desde o dia aziago. Como encarar cada novo sol? E quem olho quando olho agora para o espelho?
Só uma perguntinha: em que terra nasceu o mais lusitano dos compinchas de Tintin, Oliveira da Figueira?

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O Medo

Já ouvi muitas explicações para a derrota portuguesa com a Alemanha (pouca concentração, pouco empenho, pouca preparação, árbitro, os acasos do futebol). Todas têm um pouco verdade. No futebol, o resultado é sempre fruto da conjugação de diferentes variáveis. No entanto, a razão principal para a derrota portuguesa foi o medo de errar. Durante os dias que antecederam o jogo a ênfase da análise esteve sempre no risco de errar e nas fragilidades da nossa equipa. Os jogadores portugueses sentiram isto e estavam tão preocupados com o erro que demoravam mais tempo a pensar o jogo e a reagir às acções do mesmo. Nos primeiros 25 minutos foi óbvio que Portugal estava sobretudo preocupado com o jogo da Alemanha e com os riscos que corriam. Nos lances de bola parada os jogadores pareciam ter mais receio do risco da acção e do erro do que concentração nos automatismos da acção defensiva. Nos remates, quase todos fora do alvo desta vez, era óbvio a preocupação dos jogadores em mão desperdiçar a oportunidade. O receio de errar levou os jogadores a perder a naturalidade do gesto. O medo faz-nos perder segundos e sentir mais frágeis. Acaba com a naturalidade da acção. No futebol isso determina que se chegue sempre mais tarde e se execute pior. No futebol o pensamento tem de ser espontâneo e não pode ser pensado. O gesto executa-se, não se pensa. Ou, talvez melhor, o pensamento nunca pode estar subordinado ao medo e à dúvida que ele instala.
Esta equipa foi assim o reflexo actual de Portugal. Um país com medo. Medo do risco, medo de errar, medo da mudança. Medo de nós próprios.

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Sem Ódios, mas com muitas irritações


Caro Manuel,

Seis!? Um já é um exagero.

Ódios momentâneos são irritações que passam, não contam. Dão-nos graça.

Mas quando não passam são ódios que, ficando, nos destroem. O maior medo é o ódio a nós próprios. Aquele que nos pode acompanhar sempre se não aprendermos a amar. Porque é o próprio aquele que o Ódio destrói.

Os Ódios são sequelas de tudo o que nega o amor, tudo o que nega a humildade, tudo o que nega o despojamento, e que na distância de cada para consigo próprio gera a inveja, a avareza, a soberba, etc....

As irritações têm graça. São inconsequentes. Mas são também a nossa desistência momentânea de resistir. Mas quem aguenta ouvir uníssonos como:

— a liberdade de cada um acaba onde começa a liberdade dos outros!
— tudo é arte!
— está cientificamente provado!

Ou as campanhas:

— Tolerância Zero (para esconder a Intolerância total);
— Todos diferentes todos iguais. (para tornar igual tudo o que é diferente e tornar diferente tudo o que é igual);
— Cartão jovem: a tua identidade! (para produzir jovens contentinhos e intervenientes a partir da sua propalada juvenil irreverência);
— ler jornais é saber mais! (como se houvesse uma relação necessária entre ler jornais e saber);

Ou as confissões falsamente compungidas que fazem do sofredor um herói e um exemplo de vida:

— os espectadores de comédias não imaginam o sofrimento que vai na alma do cómico, que mesmo a rir e a fazer rir está a sofrer por dentro!

Tudo isto gera irritações porque são fórmulas para inibir e evitar que se pense. Não creio que sejam Ódios propriamente.

Por fim, o que é detestável:

— a desfaçatez e a sua personalidade dissimulada;
— a falta, reflexa e geral, do sentido do ridículo;
— o espírito lamuriento;
— a vitimização;
— a falta de espontaneidade, de genuinidade e de autenticidade;
— os lugares-comuns apresentados como se fossem novidades;
— falar em nome dos outros dizendo o que eles querem mesmo que eles não queiram;
— o que destrói o encanto.

Não sei se são Ódios, como disse, estes sentimentos que nos alteram. O Ódio é uma negação absoluta. Não estamos em condições de odiar. A não ser que saiamos absolutamente de nós e nos deixemos absolutamente possuir, isto é, desalmar. Mas, por isso, é que o Ódio mata acima de tudo quem odeia.

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sábado, 21 de junho de 2008

Калинка, калинка, калинка моя!

Hoje, a noite convida a este lânguido e melancólico embalo. É noite de afiada meia-lua, noite de holandeses voadores, intrigados provavelmente com a forma como o Coro do Exército Vermelho (bizarramente acompanhado pelos Cowboys de Leninegrado) canta o “Kalinka”.

Kalinka, kalinka, kalinka moya! / V sadu yagoda malinka, malinka moya!

Junípero, junípero, meu junípero! / No jardim está a framboesa, a minha framboesa!

A esta hora, metade, se não toda a Holanda, procura a fambroesa.

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sexta-feira, 20 de junho de 2008

Rondo alla turca

Os croatas que me perdoem, mas uma noite de Verão como esta bem merece um delicioso rondo alla turca.



A Marcha Turca de Mozart por Ivo Pogorelich

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O corvo da Maga



Então Pedro Marta Santos? Como é que se chamava o corvo da Maga Patalógica?

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quinta-feira, 19 de junho de 2008

Viva a pré-época



Pronto, acabou. Venha daí a pré-época! A única altura do ano em que um português benfiquista consegue ser verdadeiramente feliz. Para o ano é que vai ser.

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Ego vox clamantis in deserto...


A chamada “lenda negra” espanhola – que a nós, portugueses, muito interessa –, é, em boa medida, fruto de uma propaganda de muitos séculos que, levada a cabo pelos opositores do então império espanhol, erigiu em preconceito apenas uma das partes da verdade. Daqui resulta, entre outras coisas, que essa propaganda ainda hoje continua, quanto mais não seja por inércia, sendo facilmente visível, por exemplo, em algumas das produções culturais (sobretudo as dirigidas às massas) da Inglaterra.
Sendo obviamente um facto as violências e as desumanidades perpretadas pelos espanhóis, sobretudo nos séculos XV e XVI, em relação aos protestantes, aos judeus e aos índios da América, é preciso não esquecer, como quase sempre é esquecido (sobretudo ao nível da divulgação às massas), não só que esses factos não podem ser julgados pela consciência dos homens do século XXI, como ainda – e isto é o mais importante – que também é do nível dos factos a defesa heróica, santa e estranhamente eficaz que os mesmos espanhóis fizeram dos índios da América.
É nesse sentido que aqui transcrevo, a partir do relato que dele fez, mais tarde, Bartolomeu de las Casas, o famoso sermão que o frei António de Montesinos fez ano de 1511 na então ilha de la Hispaniola, em defesa dos direitos dos índios. É o princípio de uma história gloriosa, em que intervieram primeiro os espanhóis e depois os portugueses, verdadeira – e melhor – origem dos hoje universais direitos do homem.

«Naquele tempo, já os religiosos de São Domingos consideravam a triste vida e o duríssimo cativeiro que padeciam os naturais desta ilha – a ilha era a Hispaniola, o actual Haiti –, e como se consumiam sem que disso se compadecessem os espanhóis que os possuíam, para quem não eram mais do que animais sem proveito depois de mortos, pesando-lhes apenas que morressem pela falta que nas minas de ouro e nas fazendas lhes faziam. (...) Claro que em tudo isto havia entre os espanhóis o mais e o menos, (...) mas não me recordo de conhecer um só homem piadoso para com os índios, dentre aqueles que se serviam deles, a não ser um, que se chamou Pedro de la Rentería. (...)
Ora, os ditos religiosos, olhando e reparando e considerando, durante muitos dias, as acções dos espanhóis para com os índios, e o nenhum cuidado que tinham com a sua saúde corporal e espiritual, e a inestimável inocência, paciência e mansidão dos índios, começaram a juntar o direito e o facto (...) e a tratar entre si da fealdade e enormidade desta injustiça nunca vista, perguntando-se: «Acaso estes não são homens? Não se devem com estes guardar e cumprir os preceitos da caridade e da justiça? Não tinham estes as suas próprias terras e os seus senhores e senhorios? Ofenderam-nos estes em algo? Não somos nós obrigados a predicar-lhes a lei de Cristo com toda a diligência para convertê-los? Pois como podem as tantas e tão inumeráveis gentes que havia nesta ilha, conforme nos dizem, em tão pouco tempo, que é obra de quinze ou dezasseis anos, ter tão cruelmente desaparecido?»
Um destes espanhóis, que matara a sua mulher às punhaladas, por suspeita de adultério, vivia há 4 anos fugido nos montes quando ali chegaram os dominicanos. Siceramente arrependido, durante muito tempo lhes rogou que lhe «dessem o hábito de frade leigo, com o qual pretendia, com a ajuda de Deus, servir toda a sua vida. Deram-lho, com caridade, por verem nele sinais de conversão e ódio da vida passada e desejo de fazer penitência, a qual depois fez muitíssima, tendo nós por certo que morreu mártir (...).
Este, a quem chamaram frei João Garcés, e que no mundo era João Garcés, de mim muito conhecido, contou pormenorizadamente aos religiosos as execráveis crueldades que ele e todos os demais tinham feito a estas gentes, tanto na guerra como na paz, se é que podemos chamar-lhe paz, tal como ele as tinha visto. Os religiosos, assombrados perante obras tão inimigas da humanidade e dos costumnes cristãos, ganharam então o ânimo para impugnar o princípio e o meio e o fim daquela nova e horrível forma de tirânica injustiça (...) e deliberaram predicá-lo publicamente nos púlpitos e declarar o estado em que estavam os nossos pecadores que mantinham e oprimiam aquelas gentes, e de como nesse pecado morriam, galardão que receberiam por via das suas desumanidades e cudícias.
Acordam todos os seus letrados (...) o primeiro sermão que sobre esta matéria deveria predicar-se, e todos o assinam com os seus nomes (...). Impôs o padre vigário, - frei Pedro de Córdova -, sob regra de obediência, que aquele sermão fosse pregado por aquele que, depois dele, era o seu principal pregador, o qual padre se chamava frei António de Montesinos. (...) Este padre tinha o dom da pregação, era duríssimo na repreensão dos vícios e, acima de tudo, nos seus sermões muito colérico, eficacíssimo, razão pela qual se cria que davam os seus sermões muito fruto. A este, por ser muito animoso, cometeram o primeiro sermão desta matéria, tão nova para os espanhóis desta ilha; e a novidade não era outra senão afirmar que matar estas gentes era pecado.
E como era o tempo do Advento, acordaram que o sermão se predicasse no quarto domingo, no qual se canta o Evangelho em que o evangelista São João refere: «Enviaram os fariseus a perguntar a São João Baptista quem era, e ele respondeu-lhes: Eu sou a voz que brada no deserto.» E para que toda a cidade de São Domingos ouvisse o sermão, e ninguém faltasse, sobretudo os principais, convidaram o segundo Almirante, que então governava a Ilha, e os oficiais do Rei e todos os letrados e juristas que havia, cada um em sua casa, dizendo-lhes que, no Domingo, na Igreja Maior, eles fariam um sermão com o qual queriam dar-lhes a conhecer uma certa coisa que a todos muito tocava, pelo que lhes rogavam que fossem ouvi-lo (...).
Chegado o Domingo e a hora de pregar, subiu ao púlpito o dito padre frei António de Montesinos e tomou por tema e fundamento do seu sermão, que levava já escrito e assinado por todos os outros: Eu sou a voz que brada no deserto. Feita a sua introdução e dito algo que dizia respeito à matéria do tempo do Advento, começou a encarecer a esterilidade do deserto das consciências dos espanhóis desta Ilha e a cegueira em que viviam; o perigo em que andavam da sua condenação, não advertindo os pecados gravíssimos em que com tanta insensibilidade estavam continuamente implicados e nos quais morriam. E logo voltou ao tema, dizendo: “Para vo-lo dar a conhecer subi eu aqui, eu que sou a voz de Cristo no deserto desta Ilha. E convém, portanto, que, não de qualquer maneira, mas com todo o vosso coração e com todos os vossos sentidos, a oiçais; esta voz será a mais nova de todas as que ouvistes, a mais áspera e dura e a mais espantosa e perigosa das que jamais pensastes ouvir. (...) - E continuou: - Esta voz diz que todos estais em pecado mortal e que nele viveis e morreis, pela crueldade e tirania que usais com estas gentes inocentes. Dizei: Com que direito e com que justiça tendes em tão cruel e horrível servidão a estes índios? Com que autoridade haveis feito guerras tão detestáveis a estas gentes que estavam nas suas terras pacíficas e mansas, nas quais tantas infinitas delas haveis consumido com mortes e estragos nunca ouvidos? Como os tendes oprimidos e cansados, sem lhes dardes de comer nem os curardes das suas enfermidades, das quais padecem pelos excessivos trabalhos que lhes dais? E das quais morrem, ou, melhor dizendo, os matais, para sacar e adquirir ouro cada dia? E que cuidado tendes de quem os ensine na sagrada doutrina e que conheçam a Deus, seu criador, sejam baptizados, oiçam missa, respeitem as festas e os domingos? Estes não são homens? Não têm almas racionais? Não sois obrigados a amá-los como a vós mesmos? Isto não o entendeis? Isto não o sentis? Como estais tão profundamente adormecidos em sono tão letárgico? Tende como certo que, no estado em que vos encontrais, não vos podereis salvar mais do que os mouros, ou os turcos, que carecem ou não querem a fé de Jesus Cristo.”
Finalmente, de tal maneira explicou a voz que antes muito tinha encarecido, que a todos deixou atónitos, a muitos como fora de sentido, a outros antes empedernidos e a alguns compungidos, mas a nenhum, segundo depois percebi, convertido. Concluído o seu sermão, desceu do púlpito com a cabeça muito baixa (...) e foi-se, com o seu companheiro, para a sua pequena casa de palha. (...) Assim que saiu, encheu-se a Igreja de um murmúrio que, ao que parece, mal deixou que se acabasse a missa.» *

Não se pense, porém, tratar-se de meras palavras. O murmúrio logo se tornou em escândalo e este, dali, rapidamente chegou à corte, onde o Rei, vendo a sua autoridade sobre aquelas terras e aquelas gentes posta em causa, não foi nada favorável aos dominicanos. Mas estes, com o tempo, juntamente com outros religiosos e homens de letras, impuseram cada vez mais o problema à consciência dos seus contemporâneos e, acima de tudo, à do Rei, que o acolheu de tal maneira que, em 1550, ordenou que se realizasse a célebre Junta de Valladolid, na qual os dois principais defensores das duas doutrinas opostas que se haviam elaborado desde então, Bartolomeu de las Casas e João Ginés de Sepúlveda, deveriam expor os seus aregumentos e tentar chegar a uma conclusão. O Rei, que na altura era também o Imperador, interrompeu, durante todo esse tempo (à volta de um ano), a conquista.
Deste profundo debate que aconteceu na Península Ibérica emergiu a consciência moderna da dignidade do indivíduo, da democracia como único regime natural, da separação dos poderes espiritual e temporal, do direito internacional e dos direitos humanos, mais tarde celebrados nas suas origens francesa, inglesa, holandesa e alemã. Estas últimas, no entanto, eram origens totalitárias, o que, na verdade, as nossas não eram. É no reencontro com este nosso passado – dizendo melhor: é na presentificação deste nosso passado – que o nosso futuro, assim o creio, se mostrará. E, no entanto, lembrar isto em Portugal, é ser voz que brada no deserto.

* CASAS, Bartolomeu de las, De Indis, Livro III, cap. 3-4.

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Ódios grandes, pequeninos & embirrações

Coisas que tornam a minha egoísta vida menos prasenteira:

1 - Moscas, insectos rastejantes e cobras;
2 - Andar de barco;
3 - Os cafés mal tirados na auto-estrada que custam 90 cêntimos;
4 - O olhar seco do empregado de mesa quando lhe peço um robalo pescado à linha e se desfaz em amabilidade para com o estrangeiro que lhe pede um frango afogado em molho;
5 - Estar de férias num sítio sem rede que não me permite escrever nem ler o geração de 60, nem fazer comentários e ter os amigos a pensar que desertei;
6 - O cheiro a podre das flores mortas da campa da minha mãe.

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Prontos! Eu também odeio...

Confesso que me é difícil dizer aquilo que odeio. Tenho muito má memória, pelo que, às vezes até contra a minha vontade, acabo quase sempre por perdoar. Perdoar os outros, no entanto, que a mim é mais difícil perdoar. Porque aquilo que odeio está cá dentro, muito mais do que nos outros, fora de mim. Dito isto, vamos ao que interessa:

1. Odeio as minhas fragilidades, recorrentes e antigas, e sobretudo ter medo delas.
2. Odeio o medo.
3. Odeio a mentira. Não aquela que diz "sim" quando é não, mas aquela que, a partir de dentro, nos esconde e impede de ser.
4. Odeio não ser compreendido e a minha incapacidade para melhor me mostrar.
5. Odeio a guerra. Não aquela dos soldados e dos canhões, que, sendo odiável, não conheço. Mas odeio aquela guerra que se instala entre as pessoas, entre irmãos, entre amigos, entre vizinhos, entre concidadãos, entre todos nós, tornando-nos fechados, defensivos, agressivos, intolerantes, ignorantes e maus...
6. Odeio a irritação que às vezes me arde no peito e que não passa, tolhendo a razão.

Mas o que odeio, acima de tudo, é o medo, raiz do mal e da mentira, do fechamento e da guerra, e da irritação que não passa.

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Amor/ódio


Para o bem e para o mal, sou uma pessoa mais positiva do que negativa, com tendência para ver o lado positivo das coisas e pessoas mesmo quando isso é difícil (há quem me chame ingénuo). Hesitei em aceitar o desafio do MSF porque... o ódio em si parece-me um sentimento um pouco negativo. Conclusão: aqui vão meia dúzia de ódios de estimação acompanhados de meia dúzia de amores de estimação. Com um desafio aos que escreveram sobre os ódios de estimação: falem agora sobre os vossos amores de estimação, por favor.

Começo pelo desafio do MSF - os ódios. Sem grandes comentários.

1. A intolerância (inclui a intolerância à intolerância, típica do BE)
2. O fanatismo (relacionado com 1).
3. Pessoas que falam sobre tudo como se fosse possível saber de tudo (subscrevo totalmente as palavras do Pedro Marta Santos)
4. O FCP (idem!)
5. A ignorância aliada à presunção e falta de inteligência e de capacidade de ouvir (combinação explosiva que me provoca vontade de fugir).
6. A falta de higiene corporal.

Bónus: o Natal.

E aqui vão os meus amores de estimação. Revelem meia dúzia dos vossos.

1. A família.
2. A Matemática - inclui falar com alunos, ensinar, aprender, ler, escrever, pensar, revelar belezas insuspeitadas e em geral quase todas as actividades relacionadas com a profissão. Das poucas excepções: corrigir centenas de exames.
3. A neve e o ski.
4. Um paraíso tropical onde bebo um coco gelado (não me enganei: não é um copo, é mesmo um coco) por uma palhinha (pensando bem, o coco até é dispensável).
5. O Benfica!
6. Conversar descontraidamente com bons amigos, durante um jantar, num sítio agradável. Como vai acontecer no princípio de Julho, ao que parece.

Bónus: Cinema mudo sueco :-))))))))))))))))))))))))
A sério: livros.


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quarta-feira, 18 de junho de 2008

Hate is Good

Em resposta ao Manuel Fonseca (a quem sindicalmente lembro que estou em frente ao computador com um olho inflamado depois de oito horas engalfinhado no ecrã de uma empresa que tanto faz reluzir o nosso peito), aqui vão os meus seis ódios de estimação - acabei de os seleccionar entre os cerca de setecentos que guardo num livro negro atado ao interior de uma réplica da Iron Maiden em aço inox. Então:

- Odeio pessoas sem preconceitos. A ausência de preconceitos é um certeiro indicador de assomos perfeccionistas mais ou menos dissimulados que danificaram seriamente o Homem e a civilização (Oriente e Ocidente, Antiguidade e mundo contemporâneo por igual). Os preconceitos, desde que revestidos de um sentido básico de compaixão, dois dedos de auto-ironia e uma consciência plena de que a estupidez pode temporariamente atacar os mais inspirados, são a marca de água do nosso sincretismo, da nossa incompletude. Da nossa vontade de mudar.

- Odeio pessoas que falam de tudo - mas mesmo TUDO - com uma natural e indisputável autoridade, como se da vida (e da leitura de blogues, jornais ou, simplesmente, do seu infalível improviso) retirassem perpétuos ensinamentos que a consciência divina obriga a que sejam reproduzidos ao mundo com urgência sonora. Desconfiem sempre dos que sabem um pouco de tudo, e que tudo sabem sobre o pouco cujos limites fingem desconhecer: andam por aí, e alguns são adulados no oráculo popular e na mesa de canasta mais perto de si.

- odeio o F.C. Porto (os ódios futebolísticos, juntamente com a adrenalina, o medo e o sexo, são as manifestações mais saudáveis do Australopitecus que há dentro de nós). A arrogância portista - não confundir com o pelonaventismo portuense, ao qual me orgulho pertencer -, a ilusão da infabilidade, o patético discurso regionalista de PC e os mais cilíndricos dirigentes (Adelino Caldeira, et pour cause) a Oeste de Palermo são razões mais do que convincentes para este ódio, do qual aspiro a fazer doutrina.

- Odeio o Rato Mickey (mas acho piada à Anabela, a namorada do Pateta), o discurso semiótico sobre momentos e objectos que devem ser apreciados com o coração, concertos em estádios, talheres que caem ao chão e são candidamente repostos pelos empregados, mulheres giras que acham que são incrivelmente bonitas, desportos radicais (com a excepção do zapping e dos matraquilhos), malta que usa a inteligência na lapela para que todos sejam obrigados a apreciá-la, a falta de cortesia e civilidade, os inimigos da misoginia (atacam-me depois), os supremos artistas que não sabem escrever uma linha, enquadrar um plano ou compôr uma nota, a falta de honestidade, sempre e para sempre (esta é de candidata a miss Venezuela, mas é mesmo assim), o hedonismo sem conclusões e a lógica sem prazeres, os que não aferem da vida qualquer tipo de dimensão espiritual, os oponentes da pornografia (essa espécie de Cartilha Maternal para maiores e vacinados), os adversários da beleza cósmica da meritocracia, pimentos, cebola, tortillas, carapaus de escabeche, gelados light, charutos, arroz de grelos, sumo de tomate, pessoas que falam alto ao telemóvel no cinema, na praia e nas salas de espera dos consultórios, o ritmo implacável da maledicência e, acima de tudo, mesmo acima de tudo, esta sentença: "não vais conseguir fazer isso".

Afinal foram mais de seis. (Ainda tenho umas centenas para a troca).

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Are We Trying to Avoid the Pots and Pans?

Of course we all have a million and one things to do-why not make cooking “one” of the million?

I was a complete disaster in the kitchen. It wasn’t exactly the “porn movie or low budget film” one sometimes makes before hitting the big time-but if there was a camera following me around back then, even the lens would have to be cleaned from time to time with all that food flying ! The mountain of items to be washed that built up in the sink during the “construction” was never a pretty sight either- it would make any home owner want to hit you over the head (usually with the cast iron frying pan being first choice). Keep it as simple and easy as possible-organized and clean as you go along.

For all of you who feel there is no hope in the kitchen-there is!
Shopping for dinner at times should be more than an “already roasted chicken accompanied with all day- sitting around limp salad”.
Chances are, if you are good at preparing a special dish (the one when everyone says, “he makes the best…”) then chances are you are already ½ way there.
You can easily take these skills to the next level. Add a little of this and add a little of that to some of your favorite and easy “dummy proof recipes”!
Stop thinking what doesn’t go well together. Take a chance with food the way you take a chance with what you choose to wear for the day. No one is perfect, we all have worn clothing at one time and later discovered it was not the greatest combination. In the end we got through the day, so don’t worry; most creations with food also make it through the digestive system.

If you are concerned with spoiling the dish, try a small portion of what you are thinking to prepare-feed it to your dog and see what the reaction is-excluding those poor big guys stuck outside protecting properties-I sure remember what dad used to feed ours. All kidding aside, concentrate on the ingredients you like most, substitute them with the recipes you are most familiar with and you have yourself another “he makes the best…” to add to your list.
A portion of you might be thinking, “yhea right, all of this coming from some one who does this for a living”. I raise you that phrase, my cards read-omelet with left over codfish, spinach, onions and tomato. How about another round, a simple roast of your favorite beef covered with pureed coriander and roasted red pepper (roast peppers, remove skin/seeds, and puree in a blender with some coriander). One of my favorites, soy milk/milk shake with fresh strawberry, banana, ice cubes, honey and top it with your favorite granola cereal (this would definitely be more enjoyable by simply serving it in a short glass-spoon and straw required).

I can sum all of this with a simple breakdown of a recipe- without all the “in between common sense stuff” usually responsible for us “making a wrong turn” during the preparation.
If you take a moment to look, as one would a painting to discover it’s simple beauty-you might discover the simple beauty in cooking …it doesn’t always need to involve “contact with cast iron”.

1-Slice 2 onions and sauté with olive oil till extra soft.
2-Add some left over meat/or fish; cut tomato, black olives, capers/season with salt pepper
3-Add your favorite short pasta, season with salt-pepper, chopped parsley and toss (piri piri optional).


Chef Guerrieri

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De orelhas bem a arder


foto gentilmente roubada a WEHAVEKAOSINTHEGARDEN

A não perder no Público de hoje: «As premências de uma antigamente Ministra». Por João Bénard da Costa.

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Jornalismo de referência

Grande manchete a do DN de hoje. Não há nada como um jornal de referência para nos ajudar a organizar a realidade complexa em que vivemos e para nos ajudar a prioritizar os grandes males do Mundo. A energia cara que se lixe. A crise dos alimentos que se dane.

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III. Noctes Atticae, Aulo-Gélio, Vol I (livros I-IV), Les Belles Lettres, Paris, 2002

Aceitemo-lo. Uma mistela. Mas quando vemos uma revista actualmente o que vemos? Sob por vezes uma epígrafe enganadoramente unificadora igualmente uma mistela. A revista promete ser de assuntos económicos e aparece o horóscopo, de questões femininas (?), tem artigos sobre política internacional.

Admitamo-lo. Mas é bem mais divertido que a maioria dos jornais. Não tanto pela patine, cujo sabor não pode ser negado, mas mais pela erudição e pelo ridículo a que esta se expõe. Ao mesmo tempo, conclusões que não são destituídas de sentido, e preocupações científicas que não são tontas. Literatura, retórica, linguística, História, Direito, geologia, física, filosofia… Tudo se encontra misturado na obra deste simpático autor.

Sem dúvida. As “grandes” personagens citadas do mundo intelectual, os que mais o marcaram, parecem-nos bem pequenos. Mas o que vemos hoje em dia nos jornais senão na sua imensa maioria medíocres sem futuro, ou na melhor das hipóteses meros competentes? Que filósofos estão hoje vivos com maior estatura que Taurus?

E sobretudo… Sobretudo a arte do epigrama, esse monumento à capacidade de síntese no qual os romanos eram mestres e que mostra a sua imensa inteligência, ao contrário do dito popular. Uma pessoa, uma situação é descrita numa curta frase. A incapacidade de pensar o além (tão típica da nossa época) é ao menos compensada pela capacidade de o comunicar como no epigrama de Pacúvio. Poucas frases me parecem mais fúnebres, poucas mostram tal capacidade de comunicar aos vivos que o julgam ser eternamente que existe um imenso magnete que os vais chamar também, sem o mau gosto da maldição ou da exortação, apenas um lembrete, uma coisa quase irrelevante. Ou o epigrama de Favorino, que mostra a deliciosa arte do desprezo clássico de que somos herdeiros tão imerecedores.

Que fique de lição para quem deseja renome, quando não acredita na imortalidade. A sua luz não irá além das áticas noites.

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terça-feira, 17 de junho de 2008

Do que eu odeio...

Said, La Haine


Juro-vos que detesto odiar. Mas – forçada a olhar-me – percebo que, não obstante…

Odeio a cobardia e a dissimulação.
Odeio a virtude arrogante e prosélita.
Odeio a boçalidade.
Odeio o pretensiosismo dos cabotinos e dos exibicionistas.
Odeio o desamor e a secura.
Odeio a pequenez de invejosos e mesquinhos.

A amoralidade? Essa, temo-a…
E a estupidez? Antes de tudo, ofende-me!

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La Haine. Resposta a MSF

Manuel, vamos então aos meus «ódios» de estimação:
1 - As multidões. Quaisquer multidões que não sejam a enorme família benfiquista reunida no doce recato da Luz.
2 - A areia da praia. Não tenciono morrer sem que alguém tenha inventado uma praia alcatifada ou forrada a linóleo. E deserta, claro.
3 - As pipocas. Sobretudo as pipocas no cinema.
4 - O José Saramago. Está bem, concedo. Falar em «ódio» é talvez forte demais. Fico-me por uma valente implicação.
5 - O Sporting. Aqui sim. Ódio verdadeiro e primordial. Puro. Profundo. Granítico. Inabalável.

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II. Noctes Atticae, Aulo-Gélio, Vol I (livros I-IV), Les Belles Lettres, Paris, 2002

Que nos diz este primeiro volume da edição das Belles Lettres?

O passeio turístico é imenso. Desde as teorias estóicas sobre o bom, o mau e o indiferente (I.II.8 ss.), a casos jurídicos (I.III). A ideia de ponderação de bens, velha como o mundo (I.III.21), os limites das relações humanas (“é preciso ajudar os amigos mas sem ofender os deuses”) (I.III.20), os usos de “debet” e “habet” (I.IV.6), o excesso de toilettes dos rectores Demóstenes e Hortênsio (I.V). “Um censor não deve falar como um rector” (I.VI.4). As palavras de Metellus: “os deuses imortais devem recompensar a virtude, não fornecê-la” (I.VI.7), a origem da palavra “futurum” (I.VI.6), Plauto é referido como o escritor mais refinado da língua latina (I.VII.17), o uso da palavra “mille” (I.XV.6), a aspiração do “h” (II.III), a dialéctica entre acusador e acusado, que antecipa a dialéctica entre o senhor e o escravo de Hegel (II.IV.6), a explicação do nome de constelações (II.XXI), do nome dos ventos (II.XXII), das cores (II.XXVI), a causa dos tremores de terra (II.XXVIII), os modos de separação dos dias (III. II), a elasticidade da palmeira (III. VI), o poder do número 7 (III.X), a ideia de Homero de que o universo está envelhecendo (III.X, 11), de onde se vê até que ponto a Incarnação é vista como um rejuvenescimento do Universo, as mortes provocadas pela felicidade (III.XV), o significado de “affectus” (III.XVI.19), sobre os senadores “pedari”, ou seja, aqueles que apenas usam os pés para se levantar e votar (III.XVIII), antigos exemplos de defesa do consumidor e necessidade e informação sobre o produto na venda de escravos (IV.II), “hostia” como vítima (IV.VI), “religens” por oposição a “negligens” (IV.IX.1), a tão propalada proibição das favas por Pitágoras (IV.XI), “Statius” como nome de escravo (IV.XX).

A análise das figuras geométricas que Gélio mostra entre os gregos salienta que ao falarem de altura e não de profundidade, escreviam as figuras na areia ou paralelas ao solo (I.XX.3).

O filósofo Favorinus é referido (v.g. I.X). Bem como ao longo de toda a obra o “grande” filósofo Taurus (v.g. II.II). O “grande” jurista Antistius Labeon (I.XII) a propósito do problema das Vestais, Ateius Capito (I.XII), o problema jurídico do mandato segundo o interesse ou segundo as instruções (I.XIII).

Aulo-Gélio parece que ditava o seu livro, mais que o escrevia (I.XXIII.2). A boca é mais nobre que a mão. Parecia ser da Gália, talvez Cisalpina (II.XXII).


Retenho algumas belas frases:
a) De Catão: “Frusto (…) panis conduci potest, uel taceat uel uti loquatur” (I.XV.10). “Por um pedaço de pão se pode comprar o seu silêncio ou o seu discurso”.
b) De Epicármio: “incapaz de falar, não se soube calar”. (I.XV.16).
c) Um epigrama de Pacuuius na sua tumba: “mesmo apressado, jovem, pede-te esta pedra que a olhes e leias a inscrição que nela está: aqui jazem os ossos do poeta Marcus Pacuuius. Adeus, queria apenas informar-te disso” (I.XXIV.4).
d) De Fauorinus (IV.I.4) “ensinaste-nos abundantemente muita coisa que ignorávamos e que não pedíamos para conhecer”.

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A propósito do referendo

Como imaginam eu não posso comentar o referendo irlândes e as suas consequências mas, na sequência do artigo da Inês, faço copy/paste de um artigo que acaba de me ser enviado por um colega norte-americano (e grande constitucionalista) e que me parece conter uma ideia extremamente provocadora a este respeito...

A better way with referendums
By Bruce Ackerman and James Fishkin
The Irish No provides Europe with an opportunity to rethink its approach to referendums. Ever since Napoleon initiated the modern practice two centuries ago, referendums have been one-shot affairs – the people going to the polls to say Yes or No without taking preliminary steps to deliberate together on the choices facing the nation.
This populist method is unworthy of a modern democracy. If an issue is important enough to warrant decision by the people as a whole, it is important enough to require a more deliberate approach to decision-making. If the Irish return to the polls next year to rethink their vote, they should be encouraged to engage in a more deliberative exercise. Two weeks before the next referendum, Ireland should hold a special national day of deliberation at which ordinary citizens discuss the key issues at community centres throughout the country.
Suppose, for example, that deliberation day begins with a familiar sort of televised debate between the leading spokesman for the Yes and No sides. After the television show, local citizens take charge as they engage in the main issues in small discussion groups of 15 and larger plenary assemblies. The small groups begin where the televised debate leaves off. Each group spends an hour defining questions that the national spokesmen left unanswered. Everybody then proceeds to a plenary assembly to hear their questions answered by local representatives of the Yes and No sides.
After lunch, participants repeat the morning procedure. By the end of the day, they will have moved far beyond the top-down television debate of the morning. Through a deliberative process of question-and-answer, they will achieve a bottom-up understanding of the issue confronting the nation. Discussions begun on deliberation day will continue during the run-up to referendum day, drawing those who did not attend into the escalating national dialogue.
Our proposal is based on more than 30 social science experiments we have conducted throughout the world. They involve “deliberative polling”, a new form of public consultation. We invite a scientific random sample of citizens to spend a weekend deliberating on big issues of public policy. Participants greatly increase their understanding of the issues and often change their minds on the best course of action. Swings of 10 percentage points or more are very common. No less important, people leave with a more confident sense of their ability as citizens to contribute constructively to political life.
Perhaps the deliberative poll conducted in Australia is most suggestive, because it was held in conjunction with a constitutional referendum on whether the country should become a republic. A random sample of 347 Australians assembled in Canberra, where they heard leaders of the Yes and No sides respond to repeated rounds of questions that had been worked out in small group discussions.
As the participants became more informed, they increasingly favoured an indirect model for selecting a president – the same option favoured by a majority of the constitutional convention that had initiated the referendum. In contrast, our separate survey of the mass public revealed that the rest of the country gained much less information from the referendum campaign than our deliberators gained from the experiment.
Although the informed voters in our microcosm moved to a strong yes, the mass of poorly informed voters moved to a no. If the mass of Australians had had a chance to engage in something like a deliberative poll through deliberation day, the result of the referendum might well have been different.
Deliberative polls conducted in Britain also suggest that collective deliberation generates important changes. A 1994 poll on Europe led to a marked shift from the group’s initial intuitive reactions. Those believing Britain was ”a lot better off in the EU than out of it” went from a minority (45 per cent) to a majority (60 per cent). Opposition to the single currency also abated. Participants throughout the world have demonstrated a similar sophistication. In countries ranging from Bulgaria to the US, the data systematically establish that deliberation makes a difference. About two-thirds of the attitudes measured in these experiments change significantly after participants think and talk about the issues. Moreover, the process is very democratic. Voters from all classes learn and change their opinions – not just the more educated.
A national day of deliberation would require a lot of careful preparation. Citizens must obtain reservations at local centres; centres must be prepared for use; centre supervisors must be recruited from school staff and volunteer organisations; and so forth. But all this is perfectly doable, as we have established in our intensive study of the bureaucratic mechanics.
All in all, deliberation day would be a big undertaking – but so is the idea of popular sovereignty. The European project is seen as elite-driven, and to that extent, undemocratic. But traditional referendums offer only a crude populist response to the democracy deficit. Deliberation day offers a third way – allowing ordinary citizens to take charge in a fashion that is worthy of genuine respect.
Bruce Ackerman and James S. Fishkin, professors at Yale and Stanford respectively, are the authors of Deliberation Day (Yale University Press).

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Foi Deus que deu esta voz aos irlandeses

O voto dos irlandeses - o único possível na União - representa o «grito de cidadania» de todos os europeus que não puderam pronunciar-se sobre o Tratado de Lisboa. Nele confiámos a insatisfação pela representação não democrática da prática europeia do último meio século. E a ele devemos - depois da Dinamarca, da Holanda e da França, em fases anteriores - a nesga de democracia, leia-se de soberania popular, que sobra a quem sustenta os colarinhos de Bruxelas.
Agora que releio o parágrafo anterior vejo que Louçã ou de Sousa não diriam melhor. Sobretudo na expressão «grito de cidadania». Deveria horrorizar-me com esta tentação de os deskar semanalmente. Mas a verdade aproxima-nos perante a produção, cada vez mais fictícia, da construção política europeia (não extinsível à construção económica, social, cultural/académica).
Vejo uma espécie de revanche irresistível na cabine de voto de um pastor de Galway ecoar no íntimo de um mineiro de Cracóvia ou num velho encostado a um muro de Portalegre. Ou em mim. Ou na consciência perdida de José Manuel Durão Barroso ou de José Sócrates tão amigos de votações, como tementes, «according to the results to come».
O desafio - assim lhe chamou o Primeiro-Ministro irlandês - não se coloca agora a Dublin. Foi lançado pelos desafiadores do seu País à Europa que deve unir-se hoje contra a tentativa de diminuição do voto irlandês, sob pena de fragilizar, ainda mais, a referida construção politica.
O pior é que não acredito na edificação democrática da União Europeia. Esta foi inciada pelo sonho de dois ou três e combinada por outros poucos em seis países. Foi desenvolvida com os pés da economia tendo como cantil democrático para tão longa jornada um Parlamento distante, inoperante, irrelevante.
Assim avançou e cresceu a Aliança. Mas tarde piou a democracia na Europa e, o que é pior, a União «perdeu» terreno cada vez que desceu à consulta popular. A utopia da Comunidade Europeia não sobrevive à utopia da democracia.
Sugiro a bissectriz: o voto nacional sobre o essencial antes de qualquer acordo europeu assinado como pompa e arrogância sob uma tenda como a que vedou o horizonte aos Jerónimos no passado Tratado de Lisboa.

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Como proteger os filhos dos seus pais?

Parece que a CONFAP, confederação das associações de pais, veio hoje, mais uma vez, insurgir-se contra a avaliação por exames. Supostamente os exames são injustos, pois testam, num par de horas ou minutos, o conhecimento (não) adquirido ao longo de anos. Trata-se de um argumento simplista e redutor. A avaliação por exame tem, como outras, o seu lugar e permite apreciar capacidades e "competências" (para usar o jargão das "ciências" da educação) que outras formas de avaliação decididamente não permitem. Claro, a avaliação por exame, quando estes são bem elaborados e bem corrigidos, é selectiva e imparcial. Obriga a um enorme esforço e a uma aquisição de hábitos de trabalho e de planeamento. Faculta naturalmente um instrumento de aferição comparativa dos conhecimentos. Apesar de imperfeita, só através dela se pode restaurar um mínimo de dignidade no sistema de ensino português. Não sei o que buscam os pais: se preparar os filhos para um vida boa, se dar no imediato uma boa vida aos filhos. É triste verificar que os representantes dos pais são hoje indefectíveis aliados do facilitismo. São os seus filhos que vão pagar a factura.

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segunda-feira, 16 de junho de 2008

Seis grandes ódios (Caro Manuel, o ódio nunca é pequeno!)

Odeio:
- O ódio e não conseguir resistir a ele…
- A espera.
- Nós e eles.
- Argumentos de autoridade (sua ou por referência a autoridade alheia: "como diz o Professor tal…") ou retirar das paixões autoridade (os que transformam os seus ideais em razões para impor as suas ideias aos outros).
- Levar-se demasiado a sério (que muitos confundem com ser sério).
- Políticos que detestam a política.
E mesmo não gostando do ódio se pensasse mais um pouco mais ódios teria...

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Os ódios e as paixões em resposta ao Manuel


Não odeio ser excluída. Antes, isso me obriga a dizer que existo. Por isso Manuel, aqui ficam a minha lista de ódios mas também a de paixões.
Não gosto só de gritar, gosto também de sussurar...

Ódios -
1. Odeio os que insistem em declar-se sistematicamente honestos
2. A mentira
3. A mediocridade
4. O meio termo
5. A perfeição sem pecado
6. Apertos de mão moles

Paixões -
1. Ser excluída, pois isso confere-me alguma "exclusividade"
2. Ser incongruente como convém a todas as mulheres perfeitas
3. Pessoas que riem com intensidade
4. Pessoas que me olham nos olhos quando me falam e/ou me ouvem
5. Pelo Oceano Índico
6. Pelos meus filhos

Estas duas listas dizem evidentemente respeito apenas ao que é partilhável!...

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I. Noctes Atticae, Aulo-Gélio, Vol I (livros I-IV), Les Belles Lettres, Paris, 2002

Aulo-Gélio pertence à categoria dos autores que tiveram sorte muito errática. Quase desconhecido em certos momentos da História, redescoberto e adorado noutros, repensado e relativamente desprezado em grande parte deles.

Para muitos tornou-se uma das fontes do anedotário e da erudição do séc. II d.C., para outros é apenas anedótico e fantasista. Nem sempre a justiça se encontra no meio termo, porque muitas vezes é em toda a parte que se encontra.

O grande paradoxo da coisa é que Aulo Gélio é hoje em dia francamente desprezado exactamente porque é dos primeiros jornalistas de qualidade da História. A sua obra pode ser vista pelos olhos contemporâneos como uma espécie de revista, em acréscimo revista de elevadíssima qualidade. O jornalista que se esquece não fazer obra perene deveria ler Aulo Gélio e verá que, caso seja o melhor e mais culto do seu tempo, aí tem o seu paradigma máximo. Não irá além disso. E suscitará a mesma diversidade de reacções, sendo excluído de constante e perene admiração. É bom ensinamento de lucidez, mais que de humildade. Diz também algo de uma literatura, cujo padrão hoje impera, baseada no paradigma jornalístico. Essa ainda menos será lembrada.

Pode-se perguntar em relação a esta obra o que tem a ver com o espaço público, pergunta que surgirá a propósito de muitas obras que irei referir e em relação às quais me escusarei de fazer tal demonstração. É simples: descreve-nos uma paisagem mental muito próxima da nossa e formou paisagens mentais que ainda hoje nos marcam.

O título gera efeitos paradoxais. Lembro-me, quando aprendia latim, de que as referências a esta obra nos remetiam para um ambiente difuso de pré-romantismo do fim do século XVIII, em que o refinamento e a contenção não impediam uma sensibilidade à flor da pele, delicada, como a princesa da ervilha debaixo do colchão. Sob este efeito de uma sensibilidade algo cómoda, de uma riqueza grande, mas não dissipada, de prazeres simples e requintados, parecia desenvolver-se o livro. As citações estudadas eram algo uma desilusão neste aspecto, mas o título tem tal força que esta imagem não me abandonou. Até ter lido o dito livro.

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